terça-feira, 27 de março de 2012

A PROBLEMTICA DO ENSINO DA HISTORIA EM MOÇAMBIQUE: o caso da Academia Militar “Marechal Samora Machel” 2005 -2010

Introdução

No presente ensaio, pretende-se abordar questões com a construção e o ensino de história África, em geral e, de Moçambique, em particular, concretamente no contexto da formação de oficiais das FADM, no que toca a sua profissionalização e adequação aos modelos de outras forças armadas da região e do mundo globalizado.

Para o efeito fez-se uma leitura profunda de obras publicadas por autores reconhecidos internacionalmente em matérias de história de história de África e através das suas teorias desembocou-se na construção duma história aceitável e que desde a independência de Moçambique tende a ser leccionada nas escolas.

O trabalho é basicamente bibliográfico cujo objectivo geral do trabalho é compreender como se pode produzir conhecimento histórico capaz de contribuir na educação patriótica dos jovens oficiais formados na AM“MSM”. Para a materialização deste objectivo foram concebidos os seguintes específicos:

· Identificar as fontes históricas prestáveis para a reconstrução do passado africano, em geral e de Moçambique, em particular.

· Descrever o perfil dos oficiais formados na AM

· Propor alguns temas de estudo capazes de despoletar o espírito patriótico nos estudantes da AM.

Assim sendo, foi proposta a estrutura que segue: uma introdução, dois capítulos dos quais: o primeiro, designado por fontes de história para a reconstrução de história de África e de Moçambique, debate-se a problemática das fontes e suas técnicas que devem ser empregues em africa. O segundo, cujo título é o ensino de história nas instituições de ensino militar em Moçambique (1990 -2010) visa realçar as estratégias usadas neste período para no ensino de história com vista a valorizar a conquista da liberdade pelo povo moçambicano durante vários anos de luta. Dentro deste capítulo vai – se fazer referência aos critérios de admissão aos diversos cursos de formação de oficiais nas FADM. Finalmente ainda no contexto do segundo capitulo, aparecem alguns temas que se julgam pertinentes a sua abordagem na formação dos militares, em geral, e dos oficiais, em particular.

Antecipadamente o proponente deste trabalho reconhece que ele não é perfeito facto provocado pela falta de experiência em actividades de pesquisa e o que contribui também para o mesmo não seja completo. Por via disso, espera-se a contribuição de todos que tiverem acesso para a sua melhoria.

Capitulo I: A reconstrução e o lugar da História de África e de Moçambique

1.1. Fontes e metodologias para a História de África

O passado histórico reconstrói-se na base de documentos que, cientificamente, se chamam fontes históricas, apresentadas de diferentes formas desde que revelem vestígios de actividade dos homens do passado. Durante vários séculos ou por outras, desde o tempo dos positivistas, defendiam que a história era resultado do progresso, assim onde não se registasse progresso não havia razão para se considerar de histórico, tal como escreveu BURKE (1992:12) “Os historiadores tradicionais pensam na história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos, enquanto a nova história está mais preocupada com a análise das estruturas”.

Os historiadores ocidentais diziam que para a África seria um continente histórico se no mínimo apresentasse documentos escritos, pois para eles, a historia é escrita, como dizia PRINS in BURKÉ (1992), o teor seguinte:

(…), a menos que haja documentos, não pode haver história adequada. Desde o início da história (isto é, da história escrita segundo o método de Ranke), África tem sido visto como o continente a histórico par excellence. (…) a África não possuía história, apenas evoluções sem sentido de tribos barbaras. Esta não era somente uma visão da direita ou apenas de África (p, 164).

Em resposta a este posicionamento, vários historiadores e cientistas africanistas aparecem e refutam as ideias que vigoravam a respeito da história de África afirmando, segundo HAMPATÉ BÂ in KI – ZERBO (1980: 181), o que se segue:

O testemunho, seja escrito ou oral, no fim não é mais que um testemunho humano, o vale o que vale o homem.

Não faz a oralidade nascer a escrita, tanto no decorrer dos séculos como no próprio individuo? Os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o cérebro dos homens. Antes colocar seus pensamentos no papel, o escritor ou o estudioso mantêm um diálogo secreto consigo mesmo. Antes de escrever um relato, o homem, o homem recorda os fatos tal como lhe foram narrados ou, no caso de experiência própria, tal como ele mesmo os narra.

Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração em geração. (…)

O que se encontra por detrás do testemunho , portanto, é o próprio valor do homem que faz o testemunho, o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte (…)

Desta forma e em conformidade com a evolução e ao desenvolvimento que não ocorre em simultâneo e de forma uniforme entre comunidades em todas as regiões no mundo, a busca deste passado deve ser feita observando as diferentes tipos de vestígios e testemunhos atendendo a cada caso a sua especificidade, não obstante o uso de instrumentos da mesma natureza na pesquisa.

Concordando com OBENGA in KI-ZERBO (1980: 91) fica - se sabendo que

Quanto mais fundamentos da história africana se tornam conhecidas mais essas história se diversifica e se constrói de diferentes formas, de modo inesperado. Há cerca de 15 anos produziu-se uma profunda transformação de instrumentos de trabalho e hoje se admite de grado a existência de fontes utilizadas particularmente para a história de africana: geologia e paleontologia, pré-história e arqueologia, paleobotânica, palinologia, medidas radioactividades de isótopos (…), geografia física, observação e analise etno - sociológicas, tradição oral, linguística histórica ou comparada, documentos escritos europeus, árabes, hindus e chineses, documentos económicos ou demográficas (…)

Do mesmo modo afirmou WESSELING in BURKE (1992:98) o seguinte:

(…) o historiador de além-mar trata normalmente com dois tipos de fontes, por um lado as fontes europeias, em sua maior parte arquivísticas, e por outro, as não – europeias, escritas ou, como frequentemente é o caso na história africana, não escritas. Devido a ausência das fontes tradicionais, é necessária assistência de outras disciplinas, dai o papel das disciplinas como arqueologia, linguística e antropologia na história além-mar (…).

As fontes acima descritas, pelos autores, são e devem ser empregues depois de uma crítica e um cruzamento interdisciplinar para a aproximação da verdade histórica. O maior cuidado no trabalho com as fontes é referente aos períodos muito remotos, pós, para tempos recentes existem muitas provas evidentes que incluem testemunhas vivas, tal como escreveu OBENGA in KI-ZERBO (op.cit : 94)

(…) na África, o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise, para articular o seu próprio discurso, (…)

Esta ‘ abertura de espírito’ é particularmente necessária quando se estudam períodos antigos, sobre os quais nãos se dispõe nem documentos escritos nem mesmo tradições orais diretas.

Já VANSINA in KI – ZERBO (1980: 157) propõe diversas metodologias que podem ser usadas para trabalhar com as diversas fontes na reconstrução do passado histórico africano, com particular destaque para a tradição oral uma das importantes fontes para as sociedades sem escrita, como é o caso de África, em geral e de Moçambique, em particular.

Um estudioso que trabalha com as tradições orais deve compenetrar-se da atitude de uma civilização oral em relação ao discurso, atitude essa, totalmente diferente da de uma civilização onde a escrita registrou todas as mensagens importantes. Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais, venerada no que poderíamos chamar elocuções-chaves, isto é, a tradição oral (...)

A oralidade é uma atitude diante da realidade e não ausência de uma habilidade. As tradições desconcertam o historiador contemporâneo - imerso em tão grande número de evidencias escritas, vendo-se obrigado, por isso, a desenvolver técnicas de leitura rápida - (…). As tradições orais requerem um retorno contínuo à fonte.

(…). O historiador deve portanto aprender a trabalhar mais lentamente, reflectir, para embrenhar-se numa representação colectiva, já que o corpus da tradição oral ‘e a memoria colectiva, já em si mesma.

Através do uso destes e outros vestígios pode-se, embora não de forma absoluta reconstruir o passado dos diversos povos, sejam eles, alfabetizados ou não, conhecendo-se, deste modo, as suas maneiras de organização política, social, crenças religiosas, actividades económicas e ouros aspectos da vida.

Neste contexto, fica-se com o conhecimento de que para a reconstrução do passado histórico de África estão disponíveis variedades de fontes desde as materiais, orais e até as escritas, apesar de serem poucas, mal distribuídas e outras estando nos arquivos das antigas metrópoles. As fontes orais, nas palavras de VANSINA (1965:199) apud PRINS in BURKE (1992: 165),

Onde não há nada ou quase nada escrito, as tradições orais devem suportar o peso da reconstruçao histórica. (...)

As limitações da tradição oral devem ser amplamente avaliadas de modo que ela não se transforme em desapontamento, após quando longos períodos de pesquisa resultar uma reconstrução ainda não muito detalhada. O que se constrói a partir de fontes orais pode bem ter um baixo grau de confiabilidade, na medida em que não existem fontes independentes para uma verificação.

A tradição oral, nas suas diversas formas de apresentação, não aparece como alternativa ou como se fosse um jogador suplente que só realiza jogos se o titular estiver lesionado. Ela é e deve ser considerada como parte integrante do processo de reconstrução do passado histórico do homem. Seja como for, com base nestas fontes cruzando e seguindo várias trajectórias em simultâneo, com outras ciências, como referiu Obenga, pode sem dúvidas, obter-se o conhecimento do passado histórico do continente africano e os seus povos.

1.2. O lugar da história de África na historiografia universal

Os historiadores ocidentais sempre foram muito reticentes quanto a existência da história de África. Para aqueles, os africanos, propriamente ditos, nunca haviam ultrapassado o nível de criança adulta e o que existia de diferença entre estes e os seus companheiros da selva era a fala e a bipédia. Assim, dando fé a FAGE in KI- ZERBO (1980: 43) fica-se sabendo que

Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo conhecido, que compreendia uma considerável porção de África. A África no norte de Saara era parte integrante dessas duas civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse dos historiadores, do mesmo modo que o passado da Europa meridional ou do Oriente Próximo. A história do norte da África continuou a ser parte essencial dos estudos históricos ate a expansão do império Otomano, no século XVI.

Em conformidade com HAMA & KI – ZERBO in KI – ZERBO (1980: 61)

O homem é um animal histórico. O homem africano não escapa desta definição. Como em toda parte, ele faz sua história sob nossos olhos, em forma de praticas agrárias, receitas de cozinha, medicamentos da farmacopeia, direitos consuetudinários, organizações políticas, produções artísticas, celebrações religiosas e refinados códigos de etiqueta. Desde o aparecimento dos primeiros homens, os africanos criaram ao longo de milénios uma sociedade autónoma que unicamente pela sua vitalidade e é testemunha do génio histórico de seus autores.

A tarefa do historiador, que pretende estudar e ou escrever a história de África, é muito mais difícil uma vez que a maior parte das fontes escritas datam da presença mercantil estrangeira, numa primeira fase, asiáticas, que contemplam dados acerca da Costa Oriental Africana e mais tarde europeias. É importante lembrar que os pesquisadores europeus se interessavam em dados que lhes ajudariam na “empresa” de conquista e dominação.

A maior parte dos trabalhos feitos, em Moçambique, eram para glorificar os heróis portugueses que mais se destacaram na conquista do território usando a força ou diplomacia. Exemplos evidentes são vários, bastando recordar que, Neutel de Abreu[1], é uma figura incontornável quando se pretende falar da conquista e ocupação da Macuana para os portugueses. Neste cenário os moçambicanos, tanto os colaboradores, assim como os resistentes, aparecem como meros auxiliares e sem papel que merece estudo.

De acordo com CURTIN in KI - ZERBO (1980: 78)

(…) tal história mostrava os africanos como bárbaros pusilânimes ou desorientados. Seguia-se que da Europa tinham vindo seres superiores que haviam feito o que os próprios africanos não teriam condições de fazer. Mesmo no seu alto grau de objectividade, ‘a história colonial’ outorgou aos africanos papéis secundários no palco da história.

Para PITTARD (1953:555) apud KI-ZERBO (1999:10)

As raças africanas propriamente ditas (…) não participaram na história, tal como a entendem os historiadores … Não me recuso a aceitar que tenhamos nas veias algumas gotas de um sangue (…), mas devemos confessar que aquilo que delas pode subsistir é muito difícil de encontrar. Portanto, apenas duas raças humanas que habitam a África desempenharam um papel digno de nota na história universal: em primeiro lugar e de maneira considerável, os egípcios; depois, os povos do Norte de África.

Na verdade, na consciência dos euro - centristas pairava a ideia do filósofo alemão do século XVIII, Hegel, que várias vezes afirmou o teor descrito por WESSELING que lhe cita na obra coordenada por BURKE (1992:109)

(…) ‘ Neste ponto deixamos a África, para não mais a mencionarmos. Pois ela não é parte histórica do Mundo, nem tem movimento ou desenvolvimento para mostrar … o que compreendemos apropriadamente por África é o Espírito Não – Histórico, subdesenvolvido, ainda envolvido nas condições da simples natureza, que só tem de ser apresentada aqui como situada no limiar do Mundo’

Para não contrariar, SIK (1966:17) apud WESSLEING in BURKE (op.cit) afirmou a respeito desta matéria, o seguinte:

Antes do seu encontro com os europeus, a maioria dos povos africanos ainda vivia uma vida primitiva, barbara, muito deles, até mesmo no nível mais baixo do barbarismo. Alguns deles viviam em completo, ou quase completo isolamento: os contactos se é que ocorriam, com outras pessoas eram apenas conflitos esparsos com povos vizinhos. O Estado tomado no verdadeiro sentido da palavra, era uma noção desconhecida para a maior parte dos povos africanos, uma vez que também não existiam classes, Ou melhor - ambos já existiam, mas apenas em embrião. Por isso ‘e irealistico falar-se da sua ‘história – no sentido cientifico da palavra - antes do surgimento dos invasores europeus.

Lendo atentamente o teor do parágrafo acima, entende-se que para os euro – centristas os africanos nada fizeram ao longo da sua existência até a chegada destes, senão atitudes de baixo nível de civilização humana, como querelas, que referidas no estrato.

Repare – se para a passagem “ O Estado tomado no verdadeiro sentido da palavra, era uma noção desconhecida para a maior parte dos africanos uma vez que também não existiam classes”. Este ponto de vista é típico daquele que tem uma visão desarticulada da história e limitada do mundo. O facto de os africanos não terem vivido em moldes idênticos aos dos europeus não significa não terem desenvolvido um estilo de vida credível.

O mentor da passagem acima transcrita não só foi infeliz em não reconhecer as diversas formas de organização políticas e sociais dos povos africanos e não só, de outros pontos do globo, mas também pelo facto de não acreditar que “as necessidades agudizam o engenho” e que as condições geográficas, climatéricas e outras adversidades da mãe natureza propiciam o estilo de vida dos seres vivos, em particular, do homem que deve explorá-la para melhor se servir.

Mas CURTIN in KI-ZERBO (1980:77), refere que

(…). Poucos historiadores estavam convencidos, até ai, de que os impérios são em geral instituições duras e cruéis, e não necessariamente um índice de progresso político. Poucos se prontificavam a reconhecer, (…) que uma das grandes realizações da África fora provavelmente a sociedade sem estado, fundada mais sobre a cooperação do que sobre a opressão, e que o Estado africano se havia organizado de maneira a realmente apresentar autonomias locais.

Por via disso, não é lógico e nem no mínimo admissível que se julgue aos africanos pelo facto de não ter seguido o modelo de vida europeu tido como padrão. O termo “bárbaro” que repetidamente é referido em textos dos historiadores positivistas ao tratarem a África, como se pode ler no parágrafo seguinte, é, nas piores das hipóteses, absurdo, senão vejamos: gregos e romanos usaram este termo para referir povos estrangeiros, mas nem com isso os germanos, eslavos, hunos, francos, ostrogodos e vândalos são, hoje, considerados povos sem história. Ironicamente o mesmo termo é usado como sinónimo de inexistência de história quando se trata da África.

A história ocupa um lugar privilegiado em África e exerce uma função motora do desenvolvimento económico, social, cultural, religioso e científico, uma vez que estas áreas se prestam melhor quando se conhece o passado. Ela deve ser, segundo KI-ZERBO (1999: 8), escrita e lançada ao mar como se fosse

(…) uma garrafa, na esperança de que a sua mensagem seja recolhida sobretudo pelos jovens e contribua para desenhar em traços autênticos a fisionomia tão pouco conhecida, tão desfigurada, da África de ontem, fornecendo assim bases para melhor a compreender e para uma mais decidida determinação no sentido de construir a África de amanhã.

Para o caso da História de Moçambique deve ser rescrita e ensinada aos jovens como forma de cultivar valores patrióticos, forjando a unidade nacional na diversidade cultural, étnica, linguística, usos e costumes, uma vez que o país é multicultural e étnico. A comparação feita pelo autor tem a ver com vastidão do mar que cobre e banha extensas áreas territoriais, dai que relaciona com o conhecimento histórico que deve ser abrangente.

Para o caso das FADM, pensa-se que se elas não forem devidamente ensinadas a história pátria poderão no futuro enfrentar algumas dificuldades, não técnicas, porque para esta área não há razões de queixas, mas sim, no que diz respeito ao entendimento da razão de serem moçambicanos e porque defender o território nas condições em que se encontra[2].

Capitulo II: A Academia Militar “Marechal Samora Machel” no contexto do ensino em Moçambique

2.1. Localização geográfica da AM

O antigo quartel-general das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique e por ironia do destino, antes posto avançado das mesmas forças durante as campanhas de conquista e ocupação na região da macuana, hoje constitui a mais alta instituição de ensino superior militar em Moçambique, estatuto conferido, em 2003, através do decreto do Conselho de Ministros número 64, de 24 de Novembro.

Localizada na cidade de Nampula, província do mesmo nome, a Academia Militar está no ponto de encontro entre as Av. 25 de Setembro com a Av. das FPLM, junto da Praça dos Heróis Moçambicanos (veja mapa único, pagina 18). No seu interior, segundo dados fornecidos por um cozinheiro reformado desta instituição, erguem-se dois edifícios de alvenaria mais antigos da cidade de Nampula, actualmente Casa de Guarda e Posto Médico (veja fotos 1; 2 e 3 páginas 19,20 e 21).

2.2. Missões da Academia Militar

Com o fim do conflito armado que deflagrou o país durante 16 anos, em 1992, por um lado e as constantes mudanças tecnológicas no contexto das guerras modernas, o governo moçambicano vêem se obrigado a adequar as suas forças armadas no novo contexto político económico mundial ou simplesmente a globalização, para que elas estejam em condições de lutar contra os novos inimigos que são o analfabetismo e a pobreza absoluta, sem contudo colocar de lado a grande e principal tarefa de qualquer exército no mundo – a defesa da independência e soberania territorial contra qualquer tipo de agressão militar ou de outra natureza.

A Academia Militar é um estabelecimento Militar de Ensino Superior que ministra cursos de licenciatura e desenvolve actividades de ensino, de investigação e de apoio à comunidade, com finalidade essencial de formar Oficiais destinados aos quadros permanentes das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) (AM, 2009 s/p)

Academia Militar tem como principal missão formar jovens oficiais que gradualmente vão preenchendo o quadro permanente das FADM. Ainda cabe a Academia Militar formar homens capazes de exercer funções em toda parte do país nos diversos sectores com vista ao desenvolvimento da nação.

2.3. A natureza dos cursos da Academia Militar

A Academia Militar ministra cursos de natureza militar, não obstante, a existência de cadeiras não militares e que podem ser leccionadas por docentes comuns. O seu corpo docente é composto maioritariamente por oficiais de carreira, havendo casos de alguns que participaram nas três guerras[3] havidas em Moçambique nos últimos 50 anos. Realçar que os docentes são moçambicanos formados uns no estrangeiro e outros nas diversas universidades nacionais, com particular destaque para a UP e UCM.

No primeiro ano das suas funções começou com três cursos a saber: Infantaria, Fuzileiros Navais e Administração Militar, hoje, passados 5 anos, conta com mais oito cursos que abaixo se seguem: Comandantes de Meios Rádio Técnicos, Comunicações, Blindados, Artilharia, Marinha, Pilotos Aviadores e Engenharia Militar.

A duração dos cursos naquela instituição de ensino superior militar é de 4+1[4] ano, mas com a introdução do novo currículo, em 2010, estes passarão a ser de 3+1 ano, com excepção de alguns cursos, como Comunicações, Comandantes de Meios Rádio Técnicos e Engenharia que vão manter a duração anterior.

As aulas são presenciais e obrigatórias, duplas, com duração máxima de 90[5] minutos. A carga horária de cadeira para cadeira sendo as mais beneficiadas as das especialidades podendo até atingir 10 horas semanais.

2.4. O funcionamento da Academia Militar “Marechel S. Machel”

Neste ponto do ensaio, vai-se apresentar duma forma resumida o esquema do funcionamento da Academia Militar, principalmente na área Pedagógica que é o epicentro da instituição. No cômputo geral existem três direcções adistritas ao comando, a saber: Pedagógica, Corpo de Estudantes e Comando de Apoio e Serviços e em frente cada está um director.

A Direcção pedagógica possui quatro departamentos de ensino que se seguem: Ciências Militares, Ciências Exactas, Línguas e Ciências Sociais, Económicas e Jurídicas. Portanto, são estes 4 departamentos que asseguram o processo de Ensino e Aprendizagem.

Cada departamento acima mencionado possui vários grupos disciplinares dirigidos por um coordenador que exerce esta função em regime de acumulação, uma vez tratar-se de docente. O departamento de Ciências Sociais, Económicas e Jurídicas, no qual faz parte a História, tem quatro grupos disciplinares, a saber: Gestão e Administração, Ciências Sócio – politicas e Jurídicas.

Fazem parte juntamente com a História Militar, no grupo disciplinar de Ciências Sócio – politicas as seguintes disciplinas: Metodologia de Investigação Cientifica, Introdução às Ciências Sociais, História do Pensamento Económico, História Naval, Introdução a Ciência Política, Teorias de Relações Internacionais e Geografia Militar. Deste conjunto de disciplinas, duas são para especialidade de Administração Militar e Marinha de Guerra e Fuzileiros Navais, respectivamente, Historia do Pensamento Económico e História Naval. As restantes seis são disciplinas do tronco comum.

2.5. O perfil dos oficiais formados na Academia Militar “Marechal Samora Machel”

De acordo com o estatuto do AM podem concorrer para a admissão a todos jovens cuja nacionalidade é moçambicana, com idade não superior a 22 anos para civis e 25[6] para militares. O concurso é aberto para ambos os sexos que para além das condições referidas atrás, devem possuir a 12ª classe ou equivalente.

A formação, nesta instituição, termina por um ano de tirocínio que o finalista deverá efectuar nas diversas unidades e subunidades militares do país, findo o qual deverá produzir, não só, o respectivo relatório, mas também, uma monografia científica, cujo tema deverá relacionar-se com a profissão ou no mínimo que contribua para o desenvolvimento da nação com intervenção das FADM.

A aprovação nas cadeiras curriculares, no tirocínio e na apresentação e defesa da monografia científica confere ao estudante o grau académico de Licenciado em Ciências Militares e posterior afectação nas instituições militares representadas em todo o território nacional, de acordo com a especialização de cada um.

O que se espera do oficial formado na AM“MSM” é que esteja em condições de dirigir subunidades até ao escalão de pelotão com graduação de alferes, posto que deixa passado um ano, mantendo a função. Em paralelo a esta árdua tarefa que quando a situação justificar pode significar sacrifício da sua própria vida. O oficial formado na AM pode apoiar comunidades em situações de crise originadas por calamidades naturais ou de outra natureza e ainda noutras actividades de interesse nacional e internacional, quando solicitado.

Desde o início das suas actividades formação a AM já realizou duas graduações, sendo a primeira, em 2009, e a segunda no dia 2 do corrente mês. A mais recente graduação contemplou, não só, as primeiras três especialidades, mas também, pilotos aviadores, comandantes de Artilharia e de Blindados.

2.6. A necessidade de ensino de História Pátria aos futuros oficiais das FADM

Posto isto, atendendo e considerando a natureza da missão das FADM, o ensino da História de Moçambique aos futuros oficiais seria ideal de forma a se minimizar o vazio desta área que os estudantes da AM trazem do ensino secundário. Lembre-se que a disciplina de História não é obrigatória no Ensino Secundário do 2º Ciclo. Ela é vista por aqueles que por opção seguem o grupo A.

Quatro dos dez cursos ministrados na AM, dada a sua natureza exigem conhecimentos de Física e Desenho[7]. Administração Militar é o único que exige conhecimentos de história durante os exames de admissão. Para os restantes cinco cursos realizam-se os exames de Língua Portuguesa e Matemática e dado que estas duas disciplinas estão presentes em todos os grupos do 2º do Ensino Secundário Geral, a sua frequência não é limitada. Por outro lado e em conformidade com o regulamento da AM, podem candidatar-se todos jovens moçambicanos desde que possuam a 12ª classe ou equivalente, abrindo espaço para cidadãos que terminaram cursos médios profissionais com paralelismo pedagógico.

Como se pode ver, mesmo sem dados estatísticos, o maior número de estudantes da AM é daqueles que não tiveram a história pátria na 4ª e 5ª classes, isto é aos seus 9 e 10 anos de idade, já que tanto para os grupos B e C do ESG do 2º Ciclo e o Ensino Técnico Profissional não leccionam a História Pátria. Não se pretende dizer que a História é a única disciplina capaz de cultivar o espírito patriótico aos moçambicanos mas parte - se de principio de que sendo aquela que ajuda a se compreender o passado do homem ela é no mínimo a que está mais próxima desta tarefa.

Nos últimos anos tem acontecido em alguns países do continente africano conflitos de natureza étnica, tribal e política e muitas das vezes as forças armadas são protagonistas ou tomam partido a um ou outro político. Um exemplo muito recente é o da Costa do Marfim onde depois das eleições gerais, o país ficou dividido em duas partes e cada parte com um presidente, respectivo primeiro-ministro e um exército. As forças armadas não devem ser facilmente maleáveis por intrigas que não ajudam o desenvolvimento da nação. Elas devem e sim garantir a estabilidade política, económica, social, cultural, religiosa através da cultura de manutenção da paz, da soberania nacional e integridade territorial.

O mestrando propõe que sejam leccionadas as unidades temáticas da história de Moçambique as que se seguem:

  • Moçambique, a terra e os homens, onde se abordará a origem dos povos que habitam este território.
  • A presença mercantil estrangeira (asiática e europeia) – com este tem pode se entender a razão de existência de moçambicanos de raças diversificadas.
  • A conferencia de Berlim e a partiolha de África e consequente definição das fronteiras como a génese do Moçambique actual.
  • Moçambique e as Companhias Majestáticas- com este tema julga-se que se possa perceber os primeiros contactos dos povos do norte com os do centro, assim como com os do sul do país através da introdução do trabalho forçado nas plantações das companhias e nas machambas e outros sectores da administração colonial portuguesa.

Conclusão

Ao longo do trabalho abordou-se a questão da possibilidade de reconstrução da história de Africa há muito contestada pelos historiadores ocidentais. Em contra partida surgiu uma corrente oposta a Euro centrista que defende a existência da história de África a semelhança de outros continentes e que sendo o berço da humanidade esta história se confunde com a origem da própria humanidade.

A grande diferença existente entre o Ocidente a África é do tipo de fontes privilegiados para a reconstrução do passado histórico do homem. Enquanto a escrita é considerada pelos ocidentais como uma fonte histórica incontestável e incontornável, os afro centristas admitem o uso cruzado de várias fontes e ciências capazes de contribuir para o resgate do passado humano. Para estes últimos todas fontes prestam para reconstruir o passado do homem desde que se saiba interrogue de forma adequada através das diversas metodologias de investigação histórica.

Por outro lado analisou-se neste ensaio a problemática do ensino de história pátria em Moçambique em geral e na Academia Militar “Marechal Samora Machel”, a única instituição do ensino superior militar vocacionada na formação de oficiais para o quadro permanente das FADM. Neste aspecto, afirmou-se que a história é uma ciência que contribui para afirmação do patriotismo e a unidade na diversidade entre diversos povos com usos e costumes diferentes.

Para o efeito a necessidade do ensino de história na Academia Militar é necessidade quase que imperiosa se bem que se quer umas forças armadas coesas e com conhecimento de causa da sua missão em prol do desenvolvimento da nação e manutenção da paz. Este ponto de vista parte no princípio de que o maior número dos estudantes da Academia Militar não teve a disciplina de História de Moçambique no ESG, nível que se julga ser ideal para inculcar valores patrióticos aos estudantes e outros jovens da mesma faixa etária.

ANEXOS

Anexo I: Divisão por bairros da cidade de Nampula onde se localiza a Acdemia Militar-

Bairro Central

Fonte: Concelho Municipal de Cidade de Nampula, 2002

Anexo II: Vista frontal da AM junto da Praça dos Heróis Moçambicanos

Fonte: htpp:/3.bp. bloggspot.com , de 7 de Dezembro 2010

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgW92xMejQFBaC1CQ_rt6s-pUvzN1mieKMoVmPNzshmuyTDdwgzA1f04uC5Uis6lQ9qsBkJsDUiRYimLwmYZSxQhMuf2FLd1-IIGDUz06AcFxe7a22gR2apRqbQV9TZaZOFVtl5XbfQirf_/s400/pi+IMG_8174.JPG

Anexo III: Um dos primeiros edifícios de alvenaria d Cidade de Nampula, hoje Casa de

Guarda da AM

Fonte: Tirada pelo autor, 2010

Anexo IV: Um dos edifícios de alvenaria erguidos nos primeiros anos do

estabelecimento dos portugueses na Macuana, actual Posto Médico da AM

Fonte: Tirada pelo autor, 2010

BIBLIOGRAFIA

ACADEMIA MILITAR. Mais que uma profissão, um futuro promissor: condições de

Acesso, 2010, Nampula, 2009

BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas perspectivas, São Paulo, UNESP, 1992

CURTIN, P. D. Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à

história em geral in KI- ZERBO, J. (coord). História geral de África I: metodologia

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FADM. Regulamento da Academia Militar, Maputo, s/a

FAGE, J. D. Evolução da historiografia da África in KI – ZERBO, J. (coord). História geral

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HAMA, Boubou & KI – ZERBO, J. Lugar da hist’oria na sociedade africana in KI –

ZERBO, J. (coord). História geral da África I: metodologia e pré-história da África,

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KI – ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Mira – Sintra, Europa – América, 1999

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PRINS, Gwyn. História oral: in BURKÉ, Peter. A escrita da história: novas perspectivas.

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WESSELING, Henk. História de além – mar in BURKE, Peter (organiz). A escrita da

história: novas perspectivas, São Paulo, UNESP, 1992

VANSINA, Jean. A tradição oral e sua metodologia in KI – ZERBO, J. História geral

da África I: metodologia e pré-história da África, São Paulo, Ática / UNESCO, 1980



[1] A estátua desta figura portuguesa ainda se encontra no Museu de História Militar em Nampula. A história reza que foi ele que venceu e dominou a região da Macuana e posteriormente ergueu o primeiro edifício de alvenaria que é tido como o berço da actual cidade de Nampula. Edifício, que pode ser visto, em anexo, hoje funciona como Casa de Guarda da AM.

[2] As condições referidas no texto são: a independência, soberania e integridade territorial, assim como as fronteiras terrestre e marítima para alem do espaço aéreo.

[3] Refere-se a Luta Armada de Libertação Nacional, a de agressão Sul-africana e rodesiana e a protagonizada pela RENAMO ou de 16 anos.

[4] O curso de Engenharia Militar tem a duração de 6 anos

[5] As aulas de campo têm a duração mínima de 4 horas por cada dia planificado e são realizadas no Polígono local

[6] As idades referidas não devem ser completadas antes do dia do arranque oficial do ano lectivo que não excede a primeira quinzena de Fevereiro de cada ano

[7] Trata –se de Cursos de Pilotos Aviadores, Comandantes de Meios Rádio Técnicos, Comunicações e Engenharia Militar.