Gabriel Fermeiro[1]
RESUMO
Este artigo tem como objectivo compreender o
processo de formação da consciência patriótica em Moçambique. Resulta duma
pesquisa bibliográfica na qual constatou-se que desde a proclamação de
independência nacional as autoridades moçambicanas sob a liderança de Samora Moisés
Machel centraram-se nas escolas e nos quartéis para a formação da consciência
patriótica, sobretudo, da juventude pois Samora dizia que o futuro de
Moçambique dependia desta camada social. As disciplinas de História e de Geografia
de Moçambique e a de Educação Política, assim como troca de experiências entre
alunos e professores, as actividades culturais e desportivas foram fundamentais
para esta tarefa. A introdução do multipartidarismo, em 1990, e a assinatura do
Acordo Geral de Paz, em 1992, trouxe novo cenário uma vez que houve um
abrandamento em relação a matéria de consciencialização dos cidadãos para a formação
da consciência patriótica.
Palavras-chave: escola;
quartel, consciencialização, formação patriótica
Introdução
O
presente artigo subordina-se ao tema a Escola e o Quartel: dois centros de
difusão da consciência patriótica em Moçambique. O objectivo geral consiste em compreender
o processo de formação da consciência patriótica para os jovens continuadores
da Revolução Moçambicana iniciada com o desencadeamento da Luta Armada de
Libertação Nacional, em 25 de Setembro de 1964. Em função deste objectivo foram
definidos os seguintes objectivos específicos: (i) descrever as linhas seguidas
para a formação da consciência patriótica em Moçambique; (ii) mencionar as
principais disciplinas visadas para a difusão da consciência patriótica; (iii)
explicar os métodos usados para inculcar a juventude moçambicana a consciência
patriótica.
O
artigo foi produzido mediante consultas de obras publicadas no espaço
compreendido entre 1964 até ao princípio de década de 1990, contudo, não
significa que não constam de outras obras de outro período. O recurso as obras do
período referido deveu-se ao facto de serem aquelas que reúnem informações bem
detalhadas sobre o pensamento de Samora Machel em relação à educação e formação
patriótica em Moçambique.
O
artigo está dividido em 4 partes principais,
a saber: (i) a
convergência entre a instituição de ensino e militar na difusão da consciência
patriótica; (ii) a escola como centro difusor da consciência patriótica em
Moçambique; (iii) a instituição militar em prol da consciência patriótica e (iv)
a escola e o quartel no período de “incerteza doutrinária”.
No
primeiro ponto abordam-se as razões da escolha das instituições de ensino e
militar como centros difusores da consciência patriótica em Moçambique. Em
relação ao segundo, consta o pensamento de Samora Moisés Machel sobre a formação
patriótica dos alunos das escolas moçambicanas na qualidade de continuadores do
processo da revolução.
A
terceira parte, centra-se no processo referido na segunda parte mas no seio da
instituição militar. Tanto quanto se sabe, as escolas e os quartéis são lugares
que congregam jovens oriundos de todo o território nacional e aí passam a maior
parte do seu tempo diário permitindo uma maior interação, troca de experiência
e aprendizagem de valores culturais diferentes. Finalmente, a quarta, e última,
apresenta a situação em que as instituições, em estudo, ficaram após a
introdução do multipartidarismo em Moçambique, em 1990, assim como depois da
assinatura do Acordo Geral de Paz em Roma, em 1992.
1.
A
convergência entre a instituição de ensino e militar na difusão da consciência
patriótica
Para
melhor compreensão da temática em estudo, neste artigo, remete-se a alguns
conceitos julgados incontornáveis para o efeito. Neste contexto, entre vários
termos que serão definidos, destacam-se os seguintes:consciência, nação, pátria e patriotismo.
Entende-se
por consciência, segundo o Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa (2001)
“o conhecimento que se tem da própria existência; noção que a pessoa tem do que
se passa, através da interpretação das informações fornecidas pelos sentidos”
(p. 928). A consciência aqui
referida é formada, segundo o Relatório do
Comité Central do Partido Frelimo ao IV Congresso (1983), no estudante que se
educa nos valores da História, da
cultura e da revolução, que assume o estudo como forma de preparação
para a batalha contra o subdesenvolvimento.
Dando
fé a Academia de Ciências de Lisboa (2001), nação
é o “Conjunto de pessoas
ligadas por tradições históricas e por uma língua, costumes e instituições
comuns” ou ainda “Conjunto de pessoas que constituem uma comunidade política
autónoma, estabelecida num território definido e regido por leis, interesses e
um chefe de estado comuns” (p. 2560). Das definições acima, o caso moçambicano, enquadra-se na segunda apesar de possuir
tradições históricas
comuns mencionadas na primeira definição.
Segundo Casteleiro (2001) considera-se Pátria
à “nação em relação à qual existe um sentimento de pertença ou uma inclinação
sentimental” (p.2783). Tendo em consideração este conceito, pode-se deduzir que
pátria é “ (...) na verdade, é
uma mãe atenta que a todos acolhe e protege e à qual devemos respeito e
protecção; devemos amá-la e defendê-la, se necessário, de armas na mão (…).” (Pintassilgo, n.d, p.18).
Como
se pode depreender, das definições, a pátria não é alienável e nem trocada como
a roupa adquirida numa loja. Daí a necessidade de ser venerada pelos seus mais
respeitados filhos que, quando necessário, devem derramar o seu sangue em sua
defesa.
Em
concordância com o conceito dado de pátria, importa, do mesmo modo, definir o
termo patriotismo. Na versão de Samatope (2012) Patriotismo é “o conjunto de
todas as virtudes, qualidades, valores e sentimentos que se resumem em amor,
fidelidade, devoção, dedicação e orgulho pela Pátria”.
Na
perspectiva do Dicionário de Língua Portuguesa Verbo (n.d) patriotismo é “o
conjunto de sentimentos de amor à pátria, que se traduzem em actos de defesa ou
enaltecimento de uma nação” (p. 2784). Para a Grande Enciclopédia Luso -
Brasileira (n.d), patriotismo é “o ‘amor ao país’ de cada um, a afeição de cada
um à sua terra e à sua gente” (p.633).
A
motivação para a escolha da escola e o quartel como centros de difusão da
consciência patriótica partiu de prossupostos deixados claros por alguns
autores e com particular destaque para Samora Machel, na sua obra Fazer da
Escola uma Base para o Povo Tomar o Poder e no artigo de Raul Francois Martins
intitulado o papel das Forças Armadas no robustecimento dos laços de
solidariedade nacional. Estes autores mostram, como será escrito mais adiante,
o papel da escola e da instituição militar no fortalecimento dos laços e
sentimentos de pertença a pátria.
Na
visão de Martins (2011) as Forças Armadas (FA) são locais de passagem da generalidade
dos cidadãos. O autor compara esta intuição com a família e as igrejas[2],
contudo, enfatiza as FA e a escola pois, para ele “ (…) as escolas e as Forças
Armadas são instituições internas directamente ligadas aos interesses definidos
pela Nação, as organizações religiosas prosseguem fins de outra ordem, por sua
natureza ecuménicos e ultranacionais, (…)” (p.41).
Enquanto
isto, Machel (1975) encontra na escola o espaço para a criação de novas
relações e educação do homem numa mentalidade nova em que o professor e o aluno,
antes de mais, eram militantes daquela causa gigantesca e, acrescentou dizendo
que:
O militante
é aquele que vive a preocupação da organização e que ao detalhe do quotidiano,
pela aplicação criadora que faz da nossa linha, se torna para todos um modelo
do servidor do povo, do edificador da nova sociedade. A tarefa que lhe é confiada é cumprida com
o sentido que ela está ao serviço do povo, e recebendo a sua missão do povo a
ele tudo consagra incluindo a própria vida (Machel, 1975, p.153).
Na
base do exposto, propõe-se a abordagem em separado dos dois centros
selecionados para se aferir a proposta metodológica adoptada pelas autoridades
moçambicanas sob a direcção de Samora Machel, então Presidente da República
Popular de Moçambique e Comandante-Chefe das Forças Populares de Libertação de
Moçambique (FAM/ FPLM), no que respeita à formação patriótica dos alunos e
militares. Samora mostra com clareza, nos seus textos, aquilo que o cidadão
moçambicano devia seguir para a inversão da mentalidade imposta pelo regime
colonial, sobretudo, ao nível das novas gerações.
2.
A
escola como centro difusor da consciência patriótica em Moçambique
O nosso valor é a pátria
moçambicana
Machel, 1979
O
sistema de educação colonial impediu aos moçambicanos de desenvolver os seus valores
como cidadãos para a convivência e construção da sua pátria. Durante a época colonial
os negros, se tivessem oportunidades, aprendiam, nas escolas, matérias
relacionadas com a Metrópole. Esse cenário intensificou a divisão entre os
moçambicanos, pois, identificavam-se por cultura alheia, sobretudo, os
assimilados.
Nas palavras da Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) (1976) citando o Cardeal-Arcebispo de
Luorenço Marques, Teodósio Clemente de Gouveia ‘ as escolas eram
necessárias sim, mas escolas em que se ensinasse aos nativos ... a grandeza da
Nação que os protegia’. Não restam dúvidas de que a nação, aqui refeira pelo
cardial, é a portuguesa.
Após
o início da Luta Armada de Libertação Nacional, a educação ocupou um lugar
central no processo da Luta, tal como a produção e o combate, daí o slogan, amplamente, difundido: “Estudar, produzir e Combater”.
Proclamada a independência nacional, havia que se continuar com o processo de
formação do homem que devia servir a pátria moçambicana, neste caso, o Homem
Novo, livre da mentalidade colonial, pois, Samora Machel na sua concepção sobre
a formação defendia que:
O
desenvolvimento do nosso processo depende das novas gerações. Há uma geração, a
primeira, que se forma ao calor da revolução, é esta geração que nos próximos
20 anos será chamada a prosseguir a tarefa que iniciamos. Eles são o viveiro
donde sairá a planta selecionada, que fará triunfar definitivamente a revolução (Machel,
1975, p. 35).
Desta
feita, comenta Silya (1996) que “ o moçambicano devia adquirir a nova
mentalidade e novos hábitos de vida que lhe permitissem ter um estatuto social aceitável
no âmbito da nova convivência nacional e da solidariedade entre os homens”
(p.189).
Para
o efeito, as novas gerações deviam, primeiro, ser educadas a pensar como
moçambicanos e defender a causa da luta que, vencido o colonialismo, estava
pela frente, o subdesenvolvimento. Uma das medidas tomadas foi a introdução, ao
nível nacional a disciplina de Educação Política, História e Geografia de
Moçambique o que nunca havia sido matéria de estudo no período colonial.
Segundo
o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INLD) (1983), Samora Machel
dirigindo-se aos diversos representantes das confissões religiosas, em 1983,
afirmou, que a nação identificava-se
pela História e pela cultura do povo, pois, esta é património comum. Ela
identificava-se pelos seus símbolos. Perante a história, perante a cultura,
perante a Nação não havia católicos,
nem muçulmanos, muito menos protestantes, tanto como ateus mas sim havia
moçambicanos patriotas ou antipatriotas.
Note-se
que Samora definia a atitude do seu povo em duas “faces”: aqueles que aceitavam
as mudanças trazidas pela revolução e, outros que, por várias razões, não
aderiam ao novo cenário político, económico, cultural. Estes últimos, eram os
antipatriotas porque recusavam identificar-se pelos valores da revoluçao
moçambicana.
Na
visão de Machel, a pátria estava acima de tudo, daí a exigência do respeito aos símbolos nacionais[3],
da história e da cultura do povo. O culto referido tinha como base o domínio
das disciplinas atrás referidas, contudo, havia que conciliar com os quatro
pilares que sustentam a Educação ao longo da vida, tal como refere Delors et al
(2010): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,
aprender a ser. Note-se que, a escola para Machel devia ser o local de convivência
social onde os alunos e professores aprendiam um dos outros. Nesta vertente,
está-se nos procedimentos pedagógicos actuais em que o professor aparece como
mediador e não o cúmulo
do saber. Assim, Machel
(1975) escreveu dizendo que:
(...) os
professores devem aprender entre eles. Os alunos devem aprender entre eles.
Professores e alunos devem aprender um dos outros (...) uma troca constante de
experiências a todos os níveis, e um esforço a cada nível para sintetizar as
experiências (p.158).
Na
verdade, o princípio pedagógico que o autor acima citado faz menção, enquadra
se no pilar de Saber Viver Juntos. Finalmente,
no que diz respeito a escola como centro difusor da consciência patriótica pode
se dizer que a medida que os alunos oriundos de todo território nacional convergiam
nas escolas compartilhavam as suas vivências quotidianas das suas zonas de
origem e aprendiam de outras e, acima de tudo, absorviam as lições doutrinárias
previstas nos programas de ensino[4].
Neste sentido, os alunos "transportavam" os conhecimentos adquiridos
nas escolas para as suas zonas de origem abrangendo assim, gradualmente, a todo
território nacional.
3.
A
instituição militar em prol da consciência patriótica (1975-1990/2)
A
história militar de Moçambique independente pode ser dividida em dois grandes
períodos, a saber: da Independência Nacional (1975) até 1992, ano da assinatura
do Acordo Geral de Paz (AGP) e desta data até aos dias que correm. No contexto
deste artigo centrar-se-á no primeiro período, pois é neste em que foi, amplamente,
empregue o pensamento pedagógico de Samora Machel em torno da formação
patriótica.
O
período em causa foi, fortemente, caracterizado pela guerra dos 16 anos
perpetrada pela Resistência Nacional de Moçambicana (RENAMO) e ainda pelas
agressões dos regimes do Apartheid da África do Sul e racista da Rodésia do Sul[5]
ao território nacional. Os então guerrilheiros da FRELIMO, mal terminaram a Luta
Armada de Libertação Nacional (LALN) tiveram que ser postos à prova contra duas
forças regulares e com poderio militar sem igual na região austral de África.
À
medida que a guerra decorria havia necessidade de transformar os guerrilheiros
em Forças Armadas (FA) regulares. Esta medida envolveu todos os campos da
instituição militar, incluindo a formação patriótica, continuação do trabalho
iniciado na LALN. Devia consciencializar - se os militares e o povo sobre a
causa da unidade nacional e da necessidade de amar a Pátria. Para a
concretização do projecto foi instituído, na orgânica das Forças Armadas de
Moçambique, o Comissariado Político que se responsabilizava pela Educação Política
dos seus membros.
Sobre
a matéria do parágrafo anterior, Samatope (2012) afirma que para a execução
eficiente da missão no seio das Forças Armadas de Moçambique, Samora Machel
criou, em 1977, o Comissariado Político Nacional das FAM/FPLM, tendo indicado um membro do Bureau
Político da FRELIMO, neste caso, Armando Emílio Guebuza para dirigir o órgão.
O
Comissáriado Político era, no seio das Forças Armadas, responsável por tudo o
que dizia respeito à elevação
do sentimento patriótico, em suma, o patriotismo ou a
elevação do amor à pátria por parte dos seus membros. Por outro lado, estabelecia
a ligação com o povo, pois é sabido que as FA servem ao Povo. Desta feita,
segundo o autor citado no parágrafo anterior, uma das tarefas do Comissário
Político consistia em:
Proceder ao
trabalho de Educação Política nas tropas de modo a criar o espírito de fidelidade, amor e dedicação à causa da Pátria, defender abnegadamente
a integridade territorial, a soberania e independência nacional. Criar
o espírito
moral e cívico de respeito à Constituição da Republica, e, à Unidade Nacional (...). Proceder
ao trabalho de alfabetização dos militares de modo a eliminar a ignorância, o
analfabetismo e baixo nível
cultural. (Samatope,
2012, p. 135).
Para
“alimentar” as unidades militares de comissários políticos foram organizados
cursos em instituições de formação militar, com destaque para a Escola Militar
“Marechal Samora Machel”, até então situada na cidade de Nampula. Os
comissários eram dotados de conhecimentos psico - pedagógicos para lidar com os
efectivos militares das unidades onde, depois da formação, eram afectos.
Enquanto
isso, nas unidades militares eram ministradas palestras com conteúdos que
encorajavam ao cidadão, neste caso, ao soldado a interiorizar a razão de ser e
de defender a pátria moçambicana. Esta foi a forma encontrada pelo Estado
Moçambicano para inculcar os valores da pátria à todo militar para cumprir com
zelo e dedicação a sua nobre missão. Os principais aspectos transmitidos de
forma doutrinária aos militares se resumiam nos seguintes, de acordo com Machel
(1981):
(…) devemos
ensinar em primeiro, o valor do povo.
(…) ensinar - lhe os objectivos da Revolução, os interesses do povo, a
razão de ser da sua luta, para nele inculcarmos o espírito do servir do povo Os
soldados, os nossos jovens, devem ser educados para assumir a grandeza do papel
da defesa nacional, da defesa da soberania e integridade territorial. Devem ser
educados para assumirem hoje, nas fileiras do nosso exército, o patriotismo, a
generosidade, a coragem, determinação (…) (p. 23).
A
formação para a consciência patriótica na instituição militar não se limitou
apenas em palestras, como ficou escrito antes. Foram organizadas actividades
culturais e desportivas que envolviam os membros das FA e a comunidade. Basta
lembrar que, em 1979, foi realizado o I Festival Desportivo e Cultural das
Forças Armadas de Moçambique, na cidade de Nampula. O II e o III foram
realizados na cidade de Maputo em 1981 e 1983 respectivamente. Estes eventos
foram, temporariamente, interrompidos devido a intensidade da guerra tendo sido
retomado em 2013 com a realização do IV Festival na cidade de Chimoio. Nestes
festivais as FA apresentam o que tem de melhor no que respeita aos números
culturais de Moçambique trocando experiência com grupos culturais e desportivos
da comunidade. Guebuza, então presidente da Republica de Moçambique, discursano
em Chimoio, na sessao de abertura do IV Festival Desportivo – Cultural,
afirmou:
Este
festival, que integra importantes nervuras do património cultural do nosso maravilhoso Povo, tem a sua
génese nas intervenções culturais multidimensionais que realizávamos durante a
Luta de Libertação Nacional. (...) estas práticas estavam subentendidas no
processo de libertação da terra e dos homens, pois não era apenas o
resgate da nossa soberania que estava em
causa. Estava também em causa o resgate da nossa dignidade e auto-estima (...)
(Guebuza, 2013, p.3)
Como
se pode entender,
os
festivais aparecem nas FPLM/FAM e hoje, nas FADM como continuidade do
ensinamento aos militares para respeitar os diversos valores culturais do povo
moçambicano, as normas e as leis que regem a sociedade em que servem ganhando a
noção da pátria que lhes viu nascer que, por força da constituição, são
obrigados a defender se necessário com o sacrifício das suas próprias vida.
Na
base do descrito, neste artigo, em relação as Forças Armadas de Moçambique no
que respeita a difusão da consciência patriótica no território nacional,
conclui-se que elas desempenham um papel muito importante, pois incorporam para
as suas fileiras jovens de todo o país e que depois do cumprimento do seu dever
voltam para a sociedade transportando consigo os valores inculcados.
4.
A
escola e o quartel no período de “incerteza doutrinária” (1990/2 -?)
O mais importante é a Paz
Com
a introdução do multipartidarismo em Moçambique, em 1990, assistiu-se, no seio
do Sistema Nacional de Educação (SNE) assim como na instituição militar, uma
brecha no que concerne à tarefa de educação para a pátria dos alunos e dos membros
das FA.
Em
relação ao SNE, a brecha surgiu à quando da reforma efectuada no contexto da
lei 6/92 para adequar a nova realidade do país. A lei, ora referida, introduziu
algumas emendas profundas, sobretudo, na disciplina de História. Por outro lado,
a disciplina de Educação Política foi, formalmente, extinta do currículo do SNE.
À respeito desta matéria, Sitoe (2001) comentou criticando a retirada de alguns
conteúdos que, na sua visão, cultivavam a consciência patriótica dos alunos:
(…) ao retirar os objectivos
‘…valorizar a sua luta’, ‘ter orgulho em pertencer à Pátria Moçambicana’ e
assumir a necessidade da defesa da Pátria é ser tendencioso e perder a visão
classicista da educação. Qual é o país ou povo no mundo que não valoriza os
seus heróis? Quem não se orgulha de pertencer a uma pátria? (…) Que educação
patriótica e cívica se pretende dar à criança através do SNE? (Sitoe,
2001, p.72).
Este
aspecto foi agudizado pelo facto de o SNE priorizar o ensino da História Pátria
às classes iniciais, isto é, na 4ª e 5ª classes, níveis frequentados por
crianças com 9 e 10 anos de idade, respectivamente, o que, claramente, não
contribui, o suficiente, para a visão patriótica no futuro dado ao nível de
absorção dos conhecimentos nestas idades. Em relação a FA, a razão do vazio
prendeu-se ao facto de não ter havido uma clareza doutrinária na qual seriam regídas
as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) uma vez que resultaram da
fusão dos militares governamentais e dos guerrilheiros da Resitência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Sabe-se,
também, que com a introdução do multipartidarismo em Moçambique, em 1990, as FA
deixaram de ser braço armado da FRELIMO passando a ser apartidárias. Na esteira
deste estatuto jurídico, o Comissariado político, como ficou dito antes, órgão
responsável pela educação patriótica, no seio dos militares das FA, foi
extinto. Como é natural, nas fases de transição e, sobretudo, de tipo de
regimes, as mudanças são profundas e, por vezes, colocam-se de lado aspectos
muito importantes da vida do país. Tal foi o caso da Educação Patriótica que
estava contida na disciplina de Educação Política. Pensou-se que ser
apartidário era o mesmo que não amar a pátria ou ficou-se pensando que o "diabo
é tão feio como se pinta[6]".
No contexto da nova ordem nacional e,
igualmente, regional, neste caso, o multipartidarismo, as autoridades do Estado
Moçambicano não encontraram, com urgência, um sector que substítuisse a figura do
comissário político.
Havia um receio pelo facto de
o
Comissariado Político
ter sido considerado como assunto do comunismo e, como é sabido, a RENAMO desencadeou uma guerra durante 16 anos alegando lutar
contra o “comunismo”. Foi um dos preços pelo qual Moçambique "comprou" a Paz: foram postos em
causa os valores cívico-patrióticos que guiariam os jovens continuadores da
Revolução Moçambicana.
Disposições finais
A
escola e o quartel aparecem, neste artigo, como pontos de referência na difusão
da consciência patriótica no contexto do projecto da construção da Nação
Moçambicana. Nação livre do obscurantismo, analfabetismo e constituída por um
povo unido do Rovuma ao Maputo, unidade cimentada pelo sangue dos que tombaram
em diversas frentes de combate buscando a independência de Moçambique.
As
instituições de ensino e militar são tidas como aquelas que emanam os valores
de toda nação uma vez que, na sua constituição, integram filhos de todo
Moçambique sem distinção da cor, língua, origem, sexo e muito menos a posição
social. Samora Machel esperava uma escola onde todos, de igual forma, adquiririam
conhecimentos técnicos científicos. As FA são as guardiãs de todos os valores
de um povo. Nelas circula a nação inteira, a sua rígida estrutura contribui
para o cumprimento rigoroso da vontade do povo pelo qual existem e servem. Concluindo,
é na escola e nos quarteis onde, por excelência, são forjados os melhores filhos
de qualquer nação ou Estado.
Referências
bibliográficas
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Calouste Gulbenkian (2001).
Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa:
Academia C. de Lisboa.
Casteleiro, J. M. (2011). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências
de Lisboa. Vol.1.Lisboa: Editora Verbo.
Delors, J.,
Al-Mufti, I., Amagi I., Carneiro R., Chung, F., Geremek, B., Gorhamet, W., et al
(1996). Educação um
tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez Editora.
Frente de
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Documentos da 8ª Sessão do Comité Central.
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Guebuza, A.E. (2013). FADM: reforçando os pilares da Unidade
Nacional promovendo a nossa diversidade cultural e artística (Comunicação na
abertura do IV Festival Desportivo e Cultural das FADM. Chimoio.
Instituto Nacional do Livro e do Disco
(1983). Consolidemos aquilo que nos une:
reunião da Direcção do Partido e do Estado com os representantes das confissões
religiosas 14 a 17 de Dezembro de 1982. Maputo: INLD.
Lei 6/92 que reajusta o Sistema Nacional
de Educação.
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Machel, S. (1974). A luta continua. Porto: Afrontamento.
Machel, S. M. A nossa luta. Maputo: Imprensa Nacional.
Machel, S.M. (1981). Ofensiva da legalidade: garantir a paz
tranquilidade e segurança. In Revista Tempo 579. Maputo.
Martins, R. F (2011). O papel das Forças Armadas no robustecimento
dos laços de solidariedade nacional. Lisboa.
Ministério da Educação e Cultura (1975).
Educação Política: ensino primário e secundário (todas as classes). Maputo.
Ministério da Educação e Cultura (1979).
Programa de Educação Política: quinta – sexta – sétima – oitava - nona
classe. Maputo: INLD.
Pintassilgo,
J. (n.d). A República e o ensino da história: inovações e permanências.
Lisboa:Centro de Investimento em Educação.
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História no 1º grau do da escola primária em Moçambique: o caso da cidade
de Maputo 1975 - 1995 [Monografia Cientifica para obtenção do grau académico de
Licenciatura em História]. Maputo: UEM.
Samatope, R.A (2012). Moçambique suprema dádiva: educação
política e patriótica. Maputo: Centro de Pesquisa da História da Luta de Libertação
Nacional.
Silya, C.J. (1996). Ensaios sobre a cultura em Moçambique.
Maputo: CEGRAF.
[1] Mestrado
em Educação/ Ensino de História. Doutorando em História de África Contemporânea
pela Universidade Pedagógica. Docente das
disciplinas de História Militar, Introdução à História e Educação
Cívico-Patriótica na Academia Militar “ Marechal Samora Machel”.
[2] O autor deste artigo substitui o termo por
instituição religiosa para ser mais abrangentes uma vez as mesquitas exercem as
mesmas funções das igrejas assim como outros locais de cultos de diversa ordem.
[3] A Bandeira Nacional, o
Hino Nacional e o Emblema
[4] Destacam
se as disciplinas consideradas como o fulcro do resgate da identidade
moçambicana: a História e Geografia de Moçambique assim como a Educação
Política.
[5] A Rodésia do Sul, hoje,
Zimbabwe foi colónia britânica mas a partir dos meados da década de 1960, Ian
Smith declarou, unilateralmente, a independência daquele território, contudo,
manteve a exploração da população negra nativa.
[6] A
educação Política era parte fundamental da difusão ideológica dos países do
bloco leste. A queda do Muro de Berlim precipitou o fim deste bloco e,
consequentemente, todas linhas de direcção foram desacreditados em quase todo o
mundo. Em Moçambique, durante os ventos de mudanças não houve separação dos
conteúdos contidos na educação política que eram nocivos a nova ordem e,
sobretudo, a paz e reconciliação nacional daqueles que serviam para a formação cívica
e patriótica dos cidadãos. Dai o ditado que o autor coloca neste espaço.