PAPEL
DAS CANÇÕES REVOLUCIONÁRIAS NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA PATRIÓTICA NAS FORÇAS
ARMADAS DE MOÇAMBIQUE (1964 – 1990)
Por Gabriel Fermeiro[1]
gabriel.fermeiro646@gmail.com
RESUMO
Neste artigo discute-se o papel das canções
revolucionárias na formação da consciência patriótica nas Forças Armadas de
Moçambique com objetivo geral de compreender como a canção contribuiu no
despertar e na formação da consciência patriótica dos combatentes e do povo durante
e depois da Luta Armada de Libertação Nacional até ao ano de 1990. Trata-se de
um trabalho resultante da pesquisa bibliográfica, em que se busca entender como
as canções foram usadas pelos e para os combatentes das Forças Populares de Libertação
de Moçambique (FPLM) e, posteriormente, pelos militares das Forças Armadas de
Moçambique (FAM/FPLM). Ao consultar as
diferentes obras, conclui-se que as canções
revolucionárias foram sendo usadas e adaptadas em função das épocas
históricas para: valorizar a resistência heroica do povo moçambicano contra o
colonialismo servindo de inspiração e encorajamento aos guerrilheiros da
FRELIMO e, mais tarde, como denúncia às agressões dos regimes minoritários a
Moçambique[2],
encorajando o povo e os militares para o cumprimento dos deveres de defesa da
pátria e de solidariedade para com os povos oprimidos da África Austral e do
mundo inteiro. Durante o período em estudo, os comissários políticos foram os
principais responsáveis pela dinamização da produção e da difusão das canções
revolucionárias. De igual modo, constatou-se que, tanto na instituição
castrense assim como em outras, as canções têm uma função multifacêtica, tanto
nos momentos de alegria como de angustia, constituindo uma força expressiva de
diversas situações que um povo pode passar ao longo da sua história.
Finalmente, concluiu-se que o papel didáctico-educativo das canções, no seio
dos militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, reduziu
significativamente, quer pela falta e/ou secundarização dos dinamizadores da
educação patriótica, os comissários políticos (actualmente educadores
cívico-patrióticos), quer pela falta de clareza da necessidade desta prática.
Palavra -chaves: Canção, consciência patriótica,
Forças Armadas de Moçambique
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa abordar os métodos e mecanismos
seguidos pelos dirigentes da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) para
a formação da consciência patriótica nasForças Populares de Libertação de
Moçambique (FPLM), durante a Luta Armada de Libertação Nacional (LALN), e nas Forças
Armadas de Moçambique (FAM), no período pós-independência, até a introdução do
sistema multipartidário. Na verdade, foram várias as alternativas usadas na educação
político-patriótica, atravésda realização de palestras com temas referentesà
opressão e à humilhação do povo moçambicano[3]
pelo regime colonial português; o ensino da História e da Geografia de
Moçambique, para o conhecimento do passado do país, da configuração do seu
território e dos recursos de que dispõe, porque não se ama e não se defende o
que se ignora (Mataruca, 2011) .
Na educação patriótica, o destaque vai para as canções
revolucionárias produzidas durante e depois da guerra de libertação de
Moçambique que, invariavelmente, eram cantadas em todas ocasiões[4], nas
línguas tanto nacionais como na oficial, a portuguesa.
O objetivo geral desta apresentação consiste em
compreender como a canção serviu de mobilizadora para o despertar epara a
formaçãoda consciência patriótica, no espaço temporal de 1964 a 1990, no seio das
FPLM, das FAM/FPLM e do povo, porque a conquista da independência era um
projecto nacional, de todo o país, do Rovuma ao Maputo, independentemente da
etnia, da tribo, da raça e do sexo. Assim sendo, constituem como objectivos
específicos: (i) identificar a fonte de inspiração dos autores das canções
entoadas no seio das FPLM e das FAM/FPLM; (ii) descrever os momentos que as
canções eram, geralmente, entoadas e respectivos motivos, (iii) explicar as
descontinuidades vs continuidade de certas canções depois da proclamação da
independência nacional até 1990.
A escolha deste tema foi baseada, essencialmente, em
três factores, nomeadamente: (i) o facto do autor ser professor de História e,
por via disso, obrigado a trazer reflexões relacionadas com o devir da pátria
moçambicana, neste caso, a canção como parte integrante da construção da
identidade cultural; (ii) ser educador cívico –patriótico das FADM, em geral e,
da AM em particular, exigindo-se do mesmotrabalhar em temas que concorram à formação
da consciência do militar e, (iii) o dever de ver valorizado o legado histórico
cultural intangível das FADM.
O estudo do papel das canções revolucionárias na
formação da consciência patriótica torna-se incontornável, na actualidade, pois
há debates nos diversos círculos militares, sobretudo, por parte daqueles que,
no passado, fizeram parte das FAM/FPLM em torno da continuação ou não das
canções revolucionárias na instituição castrense.
Em concordância com o teor do parágrafo anterior,
nota-se uma clara diferença no seio dos militares em relação às canções, quando
comparado ao período em que vigoraram as FAM/FPLM, considerado braço armado da Frelimo,
apesar da existência de instruções superiores sobre a necessidade de os
militares continuarem a cantar em todas as suas movimentações em marchas ou em
diversas sessões e/ou eventos. Por outro lado, reconhecendo -se que as Forças
Armadas são “espinha dorsal”[5] da
unidade nacional de qualquer país, é importante que os valores culturais do
povo moçambicano sejam preservados de diversa formas, usando vários meios, sob
pena de se perder a identidade nacional.
Dada a implantação nacional e a mobilidade das Forças
Armadas, não restam dúvidas de que são estas que difundem com alguma rapidez as
manifestações culturais por todo o território, sem custos adicionais pois, na
constituição das unidades militares, a unidade nacional é o requisito
fundamental. Portanto, a instituição castrense constitui um dos veículos, se
não o principal, de difusão dos valores culturais.
Fazendo o uso da História, vale lembrar que os romanos
serviram-se das suas legiões para cumprir com o processo de romanização, graças
à rede de estradasconstruídas que facilitavam a movimentação daqueles, dos
comerciantes e de outros intervenientes no imperialismo romano (Milazzo, 2009 e
Carlan, s/d).
Além do, anteriormente, exposto, apresentar o papel
das canções revolucionárias desde 1962 a 1990 pode ajudar aos jovens que,
actualmente, ingressam para as Forças Armadas (FA) a compreenderem a
necessidade da defesa da pátria através das diversas mensagens vinculadas pelas
canções e, a partir das mesmas, desenhar-se novos desafios para Moçambique e,
particularmente,para as FADM
Se, no passado, devido à colonização e outras formas
de sofrimento, o povo moçambicano foi capaz de, através de canções,expressar e
denunciar todas as práticas nocivas ao ambiente de convivência social, económica,
política e cultural, o estudo do papel das canções pode despertar, no seio dos
militares das FA, a necessidade do
resgate destas práticas, consolidando a unidade nacional na diversidade
cultural étnica e política[6].
O artigo foi produzido, basicamente, pelas técnicas
documental e bibliográfica. Por estas técnicas, conseguiu-se obter dados sobre
o uso da canção na formação da consciência patriótica e /ou com ela relacionada
nos diversos documentos primários[7]
arquivados em acervos públicos e privados, assim como obras publicadas e
inéditas que versam da canção e da sua importância para a formação da
consciência patriótica, sobretudo, dos militares das FA, tanto nacionais como
de outras partes do mundo.
Outra técnica que o autor recorreu para a produção do
artigo foi a observação, neste caso, não participante. O autor tem observado,no
dia a dia, os movimentos de deslocações dos cadetes, em cumprimento da ordem do
dia, ida e regresso dassalas de aula para além do comportamento dos mesmos nas
reuniões e/ou palestras que são ministradas ao longo da sua estadia na Academia
Militar. Com o usodesta técnica, foi possível fazer uma breve análise comparada
do momento anterior, isto é, de1962 a 1990, com o vigente.
A cultura militar moçambicana exige que os seus
efectivos entoem canções em momentos de concentração (reunião ou em formatura)
e em movimento. Apesar de ter sido afirmado tratar-se do estudo bibliográfico,
é importante referir que os cadetes da Academia Militar “ Marechal Samora
Machel”, futuros oficiais das FADM, acabam sendo, de forma indirecta o grupo
alvo, pois é sobre eles que recai a técnica de observação.
Este artigo está dividido em três partes, para além da
introduçao e a conlcusão e sugestões, a saber: (i) enquadramento conceptual dos
principais termos, (ii)Breve evolução
histórica da canção na instituição militar: das origens à actualidade e (iii) a canção como
meio didáctico e de consciencialização dos militares da Forças Armadas de
Defesa de Moçambique
1. Enquadramento
conceitual dos principais termos
Em função das normas de pesquisacientífica, todo o trabalho
de natureza acadêmica ou científica inicia por revisão bibliográfica para se
apurar o estado de arte, ou, melhor,fazer uma busca sistemática do que já foi
escrito, publicado ou não, sobre o assunto que se pretende investigar. Este
procedimento inclui a definição dos principais termos chaves. Por via do
exposto, neste ponto do artigo vai ser feita uma breve conceituação de alguns
destes termos, como canção, musica, formação, consciência e patriótica
Para a Academia de Ciências de Lisboa (ACL, 2001), canção
deriva do latim cantio. No sentido
literário,canção é “composição poética, de fundo lírico, dividida em
coplas,geralmente com refrão, própria para ser cantada” (p. 661). Uma vez que
este artigo está inserido em canções no seio das Forças Armadas, vale definir
canção de combate. Em concordância com o mesmo autor, canção de combate é
aquela cuja letra manifestauma tomada de posição política, uma atitude de
lutacontra uma ideologia ou um sistema.
A Luta de Libertação Nacional, conduzida pelos
combatentes das FPLM, era um projecto patriótico de sociedade e as canções que
embalavam, mobilizavam os protagonistas dessa saga libertária não eram
quaisquer, propunham mudar, profundamente, o estado das coisas em Moçambique.
Daí que se considera a adjectivação revolucionárias, porque a revolução é uma uma “reviravolta, uma alteração radical e profunda de uma
sociedade em sua estrutura política, económica, social etc., geralmente por meios
violentos e de forma súbita, representando um confronto entre uma ordem
anterior e um novo projeto político-social” (Japiassú & Marcondes, 2001, p.
167).
Ao desencadear a LALN, a FRELIMO não propunha a
continuidade do status quo ante,
trazia uma proposta de sociedade diferente da edificada pelas autoridades
coloniais, uma sociedade com novos valores, valores apresentados pelas canções
que animavam a marcha dos combatentes com o povo que lhes dava legitimidade de
lutar e que apoia essa luta como a água que mantém vivo o peixe. Os valores da
LALN eram a unidade nacional, o patriotismo, a coragem, servir e respeitar o
povo, a liberdade, a emancipação da mulher, o espírito de sacrifício, a
solidariedade para com as lutas dos povos oprimidos do mundo e outros.
Apesar do autor fazer referência às posições tomadas
contra ideologias e/ou sistemas políticos, a canção também pode serem usadas
para manifestação contra outras formas de crise, como epidemias, guerras ou
referir-se a momentos de alegria e de festa.
Analisando o teor ou as letras das canções
revolucionárias, na instituição castrense moçambicana, percebe-se que elas foram
produzidas no tempo colonial, sobretudo durante a Luta Armada de Libertação
Nacional, contestando o regime em vigor, por um lado, e, por outro, mobilizando
ou encorajamento a participação de todos os povos oprimidos no processo da luta.
Já no período posterior àindependêncianacional e durante a guerra dos 16 anos,
foram introduzidas novas canções que se juntaram às anteriores.
Se as canções produzidas no tempo colonial pelos
moçambicanos tinham como essência a denúncia do sistema colonial português
assima valorização das tentativas e das iniciativas de resistências contra
aquele regime, as que surgem no período posterior a independência nacional
visavam o seguinte: reafirmar a
soberania alcançada em 1975, mobilizar e encorajar para a novas frentes de combate,
que nem sempre se traduziram em uso de força militar, mas contra a pobreza, a
nudez e a miséria, bem como a solidariedade para com as lutas dos povos
oprimidos do mundo.
Dado o conceito de canção, importa também definir-se a
consciência patriótica. Assim, em concordância com a ACL (2001), consciência, deriva do latim que é o “conhecimento que se
tem da própria existência; noção que a pessoa tem do que se passa, através da
interpretação das informações fornecidas pelos sentidos” (p. 928). Este
conceito pode servir no contexto deste trabalho pois, dele se extrai aquilo que
os homens integrantes da LALN desejavam: a libertação da terra e dos homens.
Uma vez o fulcro do trabalho é em compreensão sobre o processo de
formação da consciência patriótica, no seio das FAM/FPLM, faz sentido definir a
palavra formação. Baseando-se ainda na ACL (2001) formação é “processo de adquirir
forma, configuração; acto” ou “efeito de formar ou de se formar”, ou, ainda, a
“acção de transmitir conhecimentos, valores ou normas, de instruir ou promover”
(p. 1793). Para o caso em apreço,
interessa sobremaneira o último conceito, ou melhor, transmissão de
conhecimentos, de valores e de normas, de instruir ou promover. Esta visão
enquadra-se melhor que os anteriores porque estava-se perante ao acto de
inculcar aos militares das FA os valores do povo e da necessidade de
contemplação da pátria como uma unidade e que ajudaria a repor a sua identidade
“roubada” ou alienada e destorcida ao longo do período de dominação.
Por via do exposto, importa,
na esteira da abordagem conceptual, incluir o conceito pátria, pois, a partir
desta, define-se o termo patriotismo. Não restam dúvidas que estes dois termos já
foram, amplamente, conceituados em vários dicionários e obras, entre publicadas
e inéditas. Para o caso concreto foi-se buscar o conceito de Figueredo (1913),
Academia de Ciências de Lisboa (ACL, 2001) e do Ministério de Defesa Nacional (MDN,
2009) para além do Relatório do Partido FRELIMO ao IV Congresso (1983).
Quanto ao termo “pátria”, Figueiredo
(1913) defende que é “país em que nascemos” ou
“qualquer terra ou localidade, em que nascemos” (p.1511). De igual modo, pátria, na
versão da ACL (2001) deriva do latim patria
que significa “país do qual se é cidadão por se ter nascido ou vivido lá vários
anos; nação em relação a qual existe um sentimento de pertença ou uma
inclinação sentimental” (p. 2783).
Na base do conceito de pátria, pode-se definir o patriotismo. Ainda na
esteira de Figueiredo (1913,p. 1512), patriotismo é “qualidade de quem é
patriota” ou “amor à pátria”. Enquanto isso, a ACL (2001) entende o termo
patriotismo não só como “qualidade de quem é patriota”, mas também como sendo o
“sentimento de amor à pátria que se traduz em actos de defesa ou enaltecimento”
(p. 2784). Por sua vez, o MDN (2009) definiu
patriotismo como sendo “ (…) o amor da Pátria, (…) ou sentimento que se
concretiza na prestação real de serviços à comunidade, sobretudo, na obediência
ao governo legalmente constituído, e na colaboração da defesa da Pátria quando
ela necessita do cidadão” (p. 10).
No contexto deste trabalho, ter-se-á em conta o conceito dado pelo MDN,
uma vez que é muito mais abrangente e se enquadra melhor no propósito do artigo,
que é compreender o contributo da formação da consciência patriótica dos
militares das FAM/FPLM, desde o inicio da LALN até a introdução do
multipardiarismo em Moçambique.
2. Breve
evolução histórica da canção na instituição militar: das origens à actualidade
A canção militar é um alimento para o
espírito militar
e estimulador da alma do
soldado (Correia,1921 cit. em Passos, 2018).
A canção faz parte da vida do Homem desde os tempos
remotos da sua história. Por bem dizer, a canção faz parte da culturahumana. Tanto na vida religiosa, como nas
vertentes política e social, a canção tem sido mobilizada para descrever cada
momento em que se atravessa e/ou justificar o porquê das coisas.
Na versão bíblica, a canção é mencionada em muitas
passagens. No Antigo Testamento
aparece bem descrita o papel da canção. Nela está patente que havendo
felicidade no seio duma comunidade deve-se cantar. Contudo, a canção nãosó
simboliza momento de felicidade, mas também nas circunstâncias de tristeza e de
angústia, os homens cantam.Invariavelmente, presenciou-se,no passado e, como no
presente, em comunidades a se cantar como forma de expressar o sofrimento e a
dor, em tempo de desgraças de diversa ordem (mortes, secas, cheias e outras
calamidades).
Na história militar,hárelatos que testemunham guerreiros
que eram obrigados a cantar em reconhecimentos dos seus heróis e forma de
buscar inspiração naqueles. Exemplos não faltam: os espartanos já marchavam
cantando (Mattoso, 1973). Napoleão Bonaparte, no seu sangrento expansionismo,
talvez um dos mais mortais do início da idade contemporânea, fazia menção
especial para as músicas no seio dos militares ao ponto de afirmar que ponha uma banda
de música na praça e o povo a seguirá para a festa ou para a guerra (Passos,
2018, s/p).
No continente africano, também não faltam exemplos. Na
revolução militar efectuada pelo sanguinário Tchaca Zulu, no território sul
africano e arredores, Kizerbo (1972) afirma que “os regimentos (impis)eram compostos, cada um deles, de
um milhar de homens ou mulheres mais ou menos da mesma idade. (...). Cada
regimento tem seu uniforme e traz um sinal distintivo: bandas de cores diversas
na fronte, (...). Cada regimento tem o seu grito de guerra” (p. 7).
Havendo
necessidade de mobilizar, consciencializar e elevar o sentimento patriótico do
povo e dos militares, as canções de cariz patriótico são incrementadas nas
corporações militares, como refere o autor acima citado que nos primórdios do
Século XVIII, os compositores começaram a criar temas militares e patrióticos.
A partir de 1750, as bandas passaram a ter estruturas definidas e organizadas
dentro das unidades e a realizar apresentações em praças públicas (idem).
Como se pode perceber, o acto de cantar nas forças
armadas remonta da antiguidade ou melhor não se trata de invenção da
actualidade e das autoridades militares moçambicanas. As canções existiram
desde há muito como expressão máxima de diversos sentimentos e de mobilização
de coragem e bravura.
Ao se cantar, cumpre-se
uma função dupla: ora se ensina os bons exemplos que devem ser seguidos pelas comunidades,
neste caso os militares, principalmente na camada de formação comoé o caso da
AM e em simultâneo a ajuda a formação da consciência do indivíduo ou melhor a
tomar decisão do que pode fazer para contribuir para a sua sociedade, contudo, Palomo (s/d) realça que “é preciso atentar para
as peculiaridades presentes no processo de criação de uma canção, que envolve
uma realidade histórica específica".
Na versão de Guilard e
Costa (2018), o
ânimo e a motivação aumentam quando se entoa as canções, além de que a letra possui
grande importânciano processo de formação e preparação física. O autor conclui
dizendo que as canções militares são um recurso didático muito importante para
a formação do policial militar, na construção de valores e na melhoria do
desempenho físico dos alunos durante o curso.
Eliot,
citado por Passos (2018, s/p), afirma que "as canções e as palavras que as acompanham podem
parecer muito afastadas do heroísmo ou da devoção, mas o seu poder mágico e
estimulante pode levar a alma dos homens a compreender certas verdades de que
suas mentes duvidariam. Mais do que isto, ninguém pode dizer ao certo onde vive
a alma do batalhão, mas a expressão dessa alma é, na maioria das vezes,
encontrada na banda" (Passos, 2018, s/p).
É na esteira do pensamento do autor acima que Alves
(s/d) afirma que é no âmago das canções e para lá do fatalismo tradicional que
as caracteriza, encontramos a esperança na Revolução. E o tempo e as coisas
passadas ganham nova dimensão, encontrando os caminhos da África e do Mundo.
Na
versão de Castro (2011),
“Ser Força Armada
significa ser instituição nacional permanente e regular, (…) As Forças Armadas
perpetuam-se e dedicam-se de corpo e alma à Nação, (...)” (p.
5). Este pensamento é corroborado
por Ramalho (2012) que relata: Segundo este autor,
O Exército, como instituição nacional
cuja existência está indissociavelmente ligada à fundação e à preservação da
nacionalidade, além de cumprir as tarefas relativas à sua tradição e do
diversificado património histórico-cultural que enformam o seu passado, os
valores do patriotismo, da honra e do dever, moldam o carácter dos seus
soldados e a condição militar traduzida na total dedicação à Pátria (…) (Ramalho, 2012, p.2).
Para que o militar se dedique de
corpo e alma à nação e à pátria, como defendem os autores acima é, inevitavelmente,
necessária uma educação perene incidindo sobre os valores da pátria e a
necessidade da sua preservação. A canção, didacticamente, é recorrida para a
transmissão de conhecimento, sobretudo do passado histórico dos povos. Aos combatentes
da FRELIMO, mais tarde FAM/FPLM, era preciso dar a conhecer as causas da luta
que se previa durar muito tempo. O mesmo aconteceu quando eclodiu a guerra dos
16 anos e, hoje, a luta, contra o analfabetismo, fome, nudez, miséria
epidemias, continua. Por isso, é bom lembrar que a canção pode desempenhar um
papel muito importante para a vitória nestas batalhas.
Conclusões
esugestões
As canções são a radiografia da sociedade, a expressão
das aspirações de um povo, das suas angústias e dos desafios por realizar. As
canções têm imensas potencialidades de mobilização, convencendo mulheres e
homens a abraçarem projectos e realizar sonhos que, de outro modo, não seriam
possíveis.
As canções apresentam uma multiplicidade de vantagens:
transmitem a mensagem, emocionam, contagiam, mobilizam, corrigem sem provocar
mágoa, desfazem o desepero e as incertezas, penetram facilmente nas mentes e
nos corações dos seus destinatários.
As canções, tanto podem denunciar os males, como podem
fazer apelos ao conformismo de um povo com uma realidade positiva. O
colonialismo era um mal que devia ser erradicado de Moçambique, o que exigia
unidade nacional, coragem e a disponibilidade para consentir sacrifícios,
incluindo a perda da própria vida. Na luta de libertação há engajamento,
hesitação, medo, traição, deserção e infiltração. Tudo isto constituía objeto
das canções revolucionárias;
Se em momentos mais difíceis as canções
revolucionárias desempenharam um grande papel de mobilização, em várias formas,
hoje, devidamente contextualizadas, adaptadas, às circunstâncias concretas,
podem resgatar os valores que constituem os pilares da moçambicanidade, tais
como a unidade nacional, o patriotismo, a auto-estima, o espírito de corpo, a
coragem, o amor ao trabalho, a solidariedade de moçambicano para moçambicano e
para com os outros povos.
Moçambique, sendo um mosaico etno-cultural, as canções
podem contribuir para o reforço da unidade na diversidade, condição sine quo para a realização dos imensos
desafios que pátria coloca. Ao se evocar o papel das canções revolucionárias,
não se pretende transformá -las em panaceia (remédio para todos os males) nem
dá-las a primazia na Educação Cívico-patriótica. Pretende-se, sim. diversificar
as propostas de soluções, sendo necessária a perícia de fazer opções na
diversidade de métodos, técnicas e formas de realização de Educação Cívico-patriótica;
A tradução das canções revolucionárias pode contribuir
para alargar a compreensão, contribuindo para a disseminação das mensagens
mobilizativas. A organização, a estruturação e a reestruturação da área de
Educação Cívico-Patriótica, aproveitando as experiências positivas e de
utilidade actual nas FADM, podem contribuir para o resgate da nossa identidade;
Em todas as épocas, as sociedades foram inventoras ou
produtoras de canções e poemas. Depender apenas das canções revolucionárias
pode matar a criatividade e estimular a estagnação inventiva. Para reverter a
situação, as unidades das FADM, através dos Serviços de Cultura, podem promoverconcursos
e atribuir alguns prémios aos proponentes de melhores canções que adequam aos
novos desafios do povo moçambicano e das FA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Academia das Ciências de Lisboa & Fundação Calouste Gulbenkian
(2001). Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, Portugal: ACL.
Alves,
Amanda Palomo. Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950 -
1980) . In
Carlan. Claudio Umpierre (s/d). As invasões germânicas e o Império Romano:
conflitos e identidades no baixo Império -
https://www.revistas.ufpr.br/historia/article/download/15298/10289
- 12.10.19
Castro,
Paulo César de. Força Armada. In http://wwwforçaarmada%20Castro -
acessado em 12.07.11.
Frelimo (1983). Relatório do Comité Central ao IV Congresso. Maputo.
Japiassú, Hilton; Danilo, Marcondes (2001). Dicionário básico de filosofia. 3ª
edição revista e ampliada. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor.
Kizerbo, J
(1972). História da África negra,
volume II, 2ª edição. Paris, Europa América.
Mattoso, A & Henriques, A (1973). História
geral e pátriaI: Antiguidade e Idade Média. Lisboa. Livraria Sá da Costa
Editora.
Milazzo, B. Luiz
Martins (2009). A construção da fronteira
étnica no processo de romanização da Britânia romana: os casos de resistência
de Carataco e Boudica durante o século I d. C. Dissertação deMestrado
apresentado na Universidade Federal de Fluminense. Niterói.
Ramalho, José Luís (2011). Discurso
de Sua Excelência o general Chefe do Estado – Maior do Exército por ocasião da cerimónia
militar evocativa da retirada do exército francês da região da Guarda.
Guarda, S/ED.
[1]Doutorando
em História de África Contemporânea Mestrado em Educação/Ensino de História
pela Universidade Pedagógica-Maputo e Licenciado em Ensino de História pela
Universidade Pedagógica – Delegação de Nampula. Docente de Introdução à
História, História de Educação e de Educação Cívico-Patriótica na Academia Militar.
[3]Chibalo,
a escravatura, o trabalho forçado, a violação das mulheres e outras
atrocidades.
[4]Durante a preparação político militar, reuniões, nas
machambas colectivas, nos intervalos de debates, entre outros momentos.
[5]O
autor assim considera porque as FA incorporam jovens de todas as regiões do
país (urbanas e rurais), étnicos com diversas manifestações culturais.
[6]Moçambique
é um pais multipartidário e os jovens que integram nas FA são filhos de pais
com orientação política diversificada e, por vezes, a orientação política tem
sido parte da educação familiar o que pode contribuir para um relacionamento hostil
entre jovens com ideias políticas opostas, apesar das FA serem apartidárias.
[7]Leis,
decretos, despachos, ordens de serviços e outros desta natureza.