terça-feira, 21 de setembro de 2021

 

PAPEL DAS CANÇÕES REVOLUCIONÁRIAS NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA PATRIÓTICA NAS FORÇAS ARMADAS DE MOÇAMBIQUE (1964 – 1990)

Por Gabriel Fermeiro[1]

gabriel.fermeiro646@gmail.com

 

RESUMO

Neste artigo discute-se o papel das canções revolucionárias na formação da consciência patriótica nas Forças Armadas de Moçambique com objetivo geral de compreender como a canção contribuiu no despertar e na formação da consciência patriótica dos combatentes e do povo durante e depois da Luta Armada de Libertação Nacional até ao ano de 1990. Trata-se de um trabalho resultante da pesquisa bibliográfica, em que se busca entender como as canções foram usadas pelos e para os combatentes das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) e, posteriormente, pelos militares das Forças Armadas de Moçambique (FAM/FPLM).  Ao consultar as diferentes obras, conclui-se que as canções  revolucionárias foram sendo usadas e adaptadas em função das épocas históricas para: valorizar a resistência heroica do povo moçambicano contra o colonialismo servindo de inspiração e encorajamento aos guerrilheiros da FRELIMO e, mais tarde, como denúncia às agressões dos regimes minoritários a Moçambique[2], encorajando o povo e os militares para o cumprimento dos deveres de defesa da pátria e de solidariedade para com os povos oprimidos da África Austral e do mundo inteiro. Durante o período em estudo, os comissários políticos foram os principais responsáveis pela dinamização da produção e da difusão das canções revolucionárias. De igual modo, constatou-se que, tanto na instituição castrense assim como em outras, as canções têm uma função multifacêtica, tanto nos momentos de alegria como de angustia, constituindo uma força expressiva de diversas situações que um povo pode passar ao longo da sua história. Finalmente, concluiu-se que o papel didáctico-educativo das canções, no seio dos militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, reduziu significativamente, quer pela falta e/ou secundarização dos dinamizadores da educação patriótica, os comissários políticos (actualmente educadores cívico-patrióticos), quer pela falta de clareza da necessidade desta prática.

Palavra -chaves: Canção, consciência patriótica, Forças Armadas de Moçambique

 

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo visa abordar os métodos e mecanismos seguidos pelos dirigentes da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) para a formação da consciência patriótica nasForças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), durante a Luta Armada de Libertação Nacional (LALN), e nas Forças Armadas de Moçambique (FAM), no período pós-independência, até a introdução do sistema multipartidário. Na verdade, foram várias as alternativas usadas na educação político-patriótica, atravésda realização de palestras com temas referentesà opressão e à humilhação do povo moçambicano[3] pelo regime colonial português; o ensino da História e da Geografia de Moçambique, para o conhecimento do passado do país, da configuração do seu território e dos recursos de que dispõe, porque não se ama e não se defende o que se ignora (Mataruca, 2011) . 

Na educação patriótica, o destaque vai para as canções revolucionárias produzidas durante e depois da guerra de libertação de Moçambique que, invariavelmente, eram cantadas em todas ocasiões[4], nas línguas tanto nacionais como na oficial, a portuguesa.

O objetivo geral desta apresentação consiste em compreender como a canção serviu de mobilizadora para o despertar epara a formaçãoda consciência patriótica, no espaço temporal de 1964 a 1990, no seio das FPLM, das FAM/FPLM e do povo, porque a conquista da independência era um projecto nacional, de todo o país, do Rovuma ao Maputo, independentemente da etnia, da tribo, da raça e do sexo. Assim sendo, constituem como objectivos específicos: (i) identificar a fonte de inspiração dos autores das canções entoadas no seio das FPLM e das FAM/FPLM; (ii) descrever os momentos que as canções eram, geralmente, entoadas e respectivos motivos, (iii) explicar as descontinuidades vs continuidade de certas canções depois da proclamação da independência nacional até 1990.

A escolha deste tema foi baseada, essencialmente, em três factores, nomeadamente: (i) o facto do autor ser professor de História e, por via disso, obrigado a trazer reflexões relacionadas com o devir da pátria moçambicana, neste caso, a canção como parte integrante da construção da identidade cultural; (ii) ser educador cívico –patriótico das FADM, em geral e, da AM em particular, exigindo-se do mesmotrabalhar em temas que concorram à formação da consciência do militar e, (iii) o dever de ver valorizado o legado histórico cultural intangível das FADM.

 

O estudo do papel das canções revolucionárias na formação da consciência patriótica torna-se incontornável, na actualidade, pois há debates nos diversos círculos militares, sobretudo, por parte daqueles que, no passado, fizeram parte das FAM/FPLM em torno da continuação ou não das canções revolucionárias na instituição castrense.

Em concordância com o teor do parágrafo anterior, nota-se uma clara diferença no seio dos militares em relação às canções, quando comparado ao período em que vigoraram as FAM/FPLM, considerado braço armado da Frelimo, apesar da existência de instruções superiores sobre a necessidade de os militares continuarem a cantar em todas as suas movimentações em marchas ou em diversas sessões e/ou eventos. Por outro lado, reconhecendo -se que as Forças Armadas são “espinha dorsal”[5] da unidade nacional de qualquer país, é importante que os valores culturais do povo moçambicano sejam preservados de diversa formas, usando vários meios, sob pena de se perder a identidade nacional.

Dada a implantação nacional e a mobilidade das Forças Armadas, não restam dúvidas de que são estas que difundem com alguma rapidez as manifestações culturais por todo o território, sem custos adicionais pois, na constituição das unidades militares, a unidade nacional é o requisito fundamental. Portanto, a instituição castrense constitui um dos veículos, se não o principal, de difusão dos valores culturais.

 

Fazendo o uso da História, vale lembrar que os romanos serviram-se das suas legiões para cumprir com o processo de romanização, graças à rede de estradasconstruídas que facilitavam a movimentação daqueles, dos comerciantes e de outros intervenientes no imperialismo romano (Milazzo, 2009 e Carlan, s/d).

 

Além do, anteriormente, exposto, apresentar o papel das canções revolucionárias desde 1962 a 1990 pode ajudar aos jovens que, actualmente, ingressam para as Forças Armadas (FA) a compreenderem a necessidade da defesa da pátria através das diversas mensagens vinculadas pelas canções e, a partir das mesmas, desenhar-se novos desafios para Moçambique e, particularmente,para as FADM

Se, no passado, devido à colonização e outras formas de sofrimento, o povo moçambicano foi capaz de, através de canções,expressar e denunciar todas as práticas nocivas ao ambiente de convivência social, económica, política e cultural, o estudo do papel das canções pode despertar, no seio dos militares das FA,  a necessidade do resgate destas práticas, consolidando a unidade nacional na diversidade cultural étnica e política[6].

O artigo foi produzido, basicamente, pelas técnicas documental e bibliográfica. Por estas técnicas, conseguiu-se obter dados sobre o uso da canção na formação da consciência patriótica e /ou com ela relacionada nos diversos documentos primários[7] arquivados em acervos públicos e privados, assim como obras publicadas e inéditas que versam da canção e da sua importância para a formação da consciência patriótica, sobretudo, dos militares das FA, tanto nacionais como de outras partes do mundo.

Outra técnica que o autor recorreu para a produção do artigo foi a observação, neste caso, não participante. O autor tem observado,no dia a dia, os movimentos de deslocações dos cadetes, em cumprimento da ordem do dia, ida e regresso dassalas de aula para além do comportamento dos mesmos nas reuniões e/ou palestras que são ministradas ao longo da sua estadia na Academia Militar. Com o usodesta técnica, foi possível fazer uma breve análise comparada do momento anterior, isto é, de1962 a 1990, com o vigente.

 

A cultura militar moçambicana exige que os seus efectivos entoem canções em momentos de concentração (reunião ou em formatura) e em movimento. Apesar de ter sido afirmado tratar-se do estudo bibliográfico, é importante referir que os cadetes da Academia Militar “ Marechal Samora Machel”, futuros oficiais das FADM, acabam sendo, de forma indirecta o grupo alvo, pois é sobre eles que recai a técnica de observação.

 

Este artigo está dividido em três partes, para além da introduçao e a conlcusão e sugestões, a saber: (i) enquadramento conceptual dos principais termos,  (ii)Breve evolução histórica da canção na instituição militar: das origens à actualidade e (iii) a canção como meio didáctico e de consciencialização dos militares da Forças Armadas de Defesa de Moçambique

 

1.      Enquadramento conceitual dos principais termos

Em função das normas de pesquisacientífica, todo o trabalho de natureza acadêmica ou científica inicia por revisão bibliográfica para se apurar o estado de arte, ou, melhor,fazer uma busca sistemática do que já foi escrito, publicado ou não, sobre o assunto que se pretende investigar. Este procedimento inclui a definição dos principais termos chaves. Por via do exposto, neste ponto do artigo vai ser feita uma breve conceituação de alguns destes termos, como canção, musica, formação, consciência e patriótica

Para a Academia de Ciências de Lisboa (ACL, 2001), canção deriva do latim cantio. No sentido literário,canção é “composição poética, de fundo lírico, dividida em coplas,geralmente com refrão, própria para ser cantada” (p. 661). Uma vez que este artigo está inserido em canções no seio das Forças Armadas, vale definir canção de combate. Em concordância com o mesmo autor, canção de combate é aquela cuja letra manifestauma tomada de posição política, uma atitude de lutacontra uma ideologia ou um sistema.

A Luta de Libertação Nacional, conduzida pelos combatentes das FPLM, era um projecto patriótico de sociedade e as canções que embalavam, mobilizavam os protagonistas dessa saga libertária não eram quaisquer, propunham mudar, profundamente, o estado das coisas em Moçambique. Daí que se considera a adjectivação revolucionárias, porque a revolução é uma uma “reviravolta, uma alteração radical e profunda de uma sociedade em sua estrutura política, económica, social etc., geralmente por meios violentos e de forma súbita, representando um confronto entre uma ordem anterior e um novo projeto político-social” (Japiassú & Marcondes, 2001, p. 167).

 

Ao desencadear a LALN, a FRELIMO não propunha a continuidade do status quo ante, trazia uma proposta de sociedade diferente da edificada pelas autoridades coloniais, uma sociedade com novos valores, valores apresentados pelas canções que animavam a marcha dos combatentes com o povo que lhes dava legitimidade de lutar e que apoia essa luta como a água que mantém vivo o peixe. Os valores da LALN eram a unidade nacional, o patriotismo, a coragem, servir e respeitar o povo, a liberdade, a emancipação da mulher, o espírito de sacrifício, a solidariedade para com as lutas dos povos oprimidos do mundo e outros.

 

Apesar do autor fazer referência às posições tomadas contra ideologias e/ou sistemas políticos, a canção também pode serem usadas para manifestação contra outras formas de crise, como epidemias, guerras ou referir-se a momentos de alegria e de festa.

Analisando o teor ou as letras das canções revolucionárias, na instituição castrense moçambicana, percebe-se que elas foram produzidas no tempo colonial, sobretudo durante a Luta Armada de Libertação Nacional, contestando o regime em vigor, por um lado, e, por outro, mobilizando ou encorajamento a participação de todos os povos oprimidos no processo da luta. Já no período posterior àindependêncianacional e durante a guerra dos 16 anos, foram introduzidas novas canções que se juntaram às anteriores.

Se as canções produzidas no tempo colonial pelos moçambicanos tinham como essência a denúncia do sistema colonial português assima valorização das tentativas e das iniciativas de resistências contra aquele regime, as que surgem no período posterior a independência nacional visavam o seguinte:  reafirmar a soberania alcançada em 1975, mobilizar e encorajar para a novas frentes de combate, que nem sempre se traduziram em uso de força militar, mas contra a pobreza, a nudez e a miséria, bem como a solidariedade para com as lutas dos povos oprimidos do mundo.

Dado o conceito de canção, importa também definir-se a consciência patriótica. Assim, em concordância com a ACL (2001), consciência, deriva do latim que é o “conhecimento que se tem da própria existência; noção que a pessoa tem do que se passa, através da interpretação das informações fornecidas pelos sentidos” (p. 928). Este conceito pode servir no contexto deste trabalho pois, dele se extrai aquilo que os homens integrantes da LALN desejavam: a libertação da terra e dos homens.

Uma vez o fulcro do trabalho é em compreensão sobre o processo de formação da consciência patriótica, no seio das FAM/FPLM, faz sentido definir a palavra formação. Baseando-se ainda na ACL (2001) formação é “processo de adquirir forma, configuração; acto” ou “efeito de formar ou de se formar”, ou, ainda, a “acção de transmitir conhecimentos, valores ou normas, de instruir ou promover” (p. 1793). Para o caso em apreço, interessa sobremaneira o último conceito, ou melhor, transmissão de conhecimentos, de valores e de normas, de instruir ou promover. Esta visão enquadra-se melhor que os anteriores porque estava-se perante ao acto de inculcar aos militares das FA os valores do povo e da necessidade de contemplação da pátria como uma unidade e que ajudaria a repor a sua identidade “roubada” ou alienada e destorcida ao longo do período de dominação.

 

Por via do exposto, importa, na esteira da abordagem conceptual, incluir o conceito pátria, pois, a partir desta, define-se o termo patriotismo. Não restam dúvidas que estes dois termos já foram, amplamente, conceituados em vários dicionários e obras, entre publicadas e inéditas. Para o caso concreto foi-se buscar o conceito de Figueredo (1913), Academia de Ciências de Lisboa (ACL, 2001) e do Ministério de Defesa Nacional (MDN, 2009) para além do Relatório do Partido FRELIMO ao IV Congresso (1983).

 

Quanto ao termo “pátria”, Figueiredo (1913) defende que é “país em que nascemos” ou “qualquer terra ou localidade, em que nascemos” (p.1511). De igual modo, pátria, na versão da ACL (2001) deriva do latim patria que significa “país do qual se é cidadão por se ter nascido ou vivido lá vários anos; nação em relação a qual existe um sentimento de pertença ou uma inclinação sentimental” (p. 2783).

 

Na base do conceito de pátria, pode-se definir o patriotismo. Ainda na esteira de Figueiredo (1913,p. 1512), patriotismo é “qualidade de quem é patriota” ou “amor à pátria”. Enquanto isso, a ACL (2001) entende o termo patriotismo não só como “qualidade de quem é patriota”, mas também como sendo o “sentimento de amor à pátria que se traduz em actos de defesa ou enaltecimento” (p. 2784). Por sua vez, o MDN (2009) definiu patriotismo como sendo “ (…) o amor da Pátria, (…) ou sentimento que se concretiza na prestação real de serviços à comunidade, sobretudo, na obediência ao governo legalmente constituído, e na colaboração da defesa da Pátria quando ela necessita do cidadão” (p. 10).

 

No contexto deste trabalho, ter-se-á em conta o conceito dado pelo MDN, uma vez que é muito mais abrangente e se enquadra melhor no propósito do artigo, que é compreender o contributo da formação da consciência patriótica dos militares das FAM/FPLM, desde o inicio da LALN até a introdução do multipardiarismo em Moçambique.

 

2.      Breve evolução histórica da canção na instituição militar: das origens à actualidade

 

                                                                      A canção militar é um alimento para o

                                                                                espírito militar e estimulador da alma do

soldado (Correia,1921 cit. em Passos, 2018).

 

A canção faz parte da vida do Homem desde os tempos remotos da sua história. Por bem dizer, a canção faz parte da culturahumana. Tanto na vida religiosa, como nas vertentes política e social, a canção tem sido mobilizada para descrever cada momento em que se atravessa e/ou justificar o porquê das coisas.

Na versão bíblica, a canção é mencionada em muitas passagens. No Antigo Testamento aparece bem descrita o papel da canção. Nela está patente que havendo felicidade no seio duma comunidade deve-se cantar. Contudo, a canção nãosó simboliza momento de felicidade, mas também nas circunstâncias de tristeza e de angústia, os homens cantam.Invariavelmente, presenciou-se,no passado e, como no presente, em comunidades a se cantar como forma de expressar o sofrimento e a dor, em tempo de desgraças de diversa ordem (mortes, secas, cheias e outras calamidades).

Na história militar,hárelatos que testemunham guerreiros que eram obrigados a cantar em reconhecimentos dos seus heróis e forma de buscar inspiração naqueles. Exemplos não faltam: os espartanos já marchavam cantando (Mattoso, 1973). Napoleão Bonaparte, no seu sangrento expansionismo, talvez um dos mais mortais do início da idade contemporânea, fazia menção especial para as músicas no seio dos militares ao ponto de afirmar que ponha uma banda de música na praça e o povo a seguirá para a festa ou para a guerra (Passos, 2018, s/p).

No continente africano, também não faltam exemplos. Na revolução militar efectuada pelo sanguinário Tchaca Zulu, no território sul africano e arredores, Kizerbo (1972) afirma que “os regimentos (impis)eram compostos, cada um deles, de um milhar de homens ou mulheres mais ou menos da mesma idade. (...). Cada regimento tem seu uniforme e traz um sinal distintivo: bandas de cores diversas na fronte, (...). Cada regimento tem o seu grito de guerra” (p. 7).

Havendo necessidade de mobilizar, consciencializar e elevar o sentimento patriótico do povo e dos militares, as canções de cariz patriótico são incrementadas nas corporações militares, como refere o autor acima citado que nos primórdios do Século XVIII, os compositores começaram a criar temas militares e patrióticos. A partir de 1750, as bandas passaram a ter estruturas definidas e organizadas dentro das unidades e a realizar apresentações em praças públicas (idem).

Como se pode perceber, o acto de cantar nas forças armadas remonta da antiguidade ou melhor não se trata de invenção da actualidade e das autoridades militares moçambicanas. As canções existiram desde há muito como expressão máxima de diversos sentimentos e de mobilização de coragem e bravura.

 

3.      A canção como meio didáctico ede consciencialização dos militares da Forças Armadas de Defesa de Moçambique

Ao se cantar, cumpre-se uma função dupla: ora se ensina os bons exemplos que devem ser seguidos pelas comunidades, neste caso os militares, principalmente na camada de formação comoé o caso da AM e em simultâneo a ajuda a formação da consciência do indivíduo ou melhor a tomar decisão do que pode fazer para contribuir para a sua sociedade, contudo, Palomo (s/d) realça que “é preciso atentar para as peculiaridades presentes no processo de criação de uma canção, que envolve uma realidade histórica específica".

Na versão de Guilard e Costa (2018), o ânimo e a motivação aumentam quando se entoa as canções, além de que a letra possui grande importân­ciano processo de formação e preparação física. O autor conclui dizendo que as canções militares são um recurso didático muito importante para a formação do policial militar, na construção de valores e na melhoria do desempenho físico dos alunos durante o curso.

Eliot, citado por Passos (2018, s/p), afirma que "as canções e as palavras que as acompanham podem parecer muito afastadas do heroísmo ou da devoção, mas o seu poder mágico e estimulante pode levar a alma dos homens a compreender certas verdades de que suas mentes duvidariam. Mais do que isto, ninguém pode dizer ao certo onde vive a alma do batalhão, mas a expressão dessa alma é, na maioria das vezes, encontrada na banda" (Passos, 2018, s/p).

É na esteira do pensamento do autor acima que Alves (s/d) afirma que é no âmago das canções e para lá do fatalismo tradicional que as caracteriza, encontramos a esperança na Revolução. E o tempo e as coisas passadas ganham nova dimensão, encontrando os caminhos da África e do Mundo. 

Na versão de Castro (2011),Ser Força Armada significa ser instituição nacional permanente e regular, (…) As Forças Armadas perpetuam-se e dedicam-se de corpo e alma à Nação, (...)” (p. 5). Este pensamento é corroborado por Ramalho (2012) que relata: Segundo este autor,

O Exército, como instituição nacional cuja existência está indissociavelmente ligada à fundação e à preservação da nacionalidade, além de cumprir as tarefas relativas à sua tradição e do diversificado património histórico-cultural que enformam o seu passado, os valores do patriotismo, da honra e do dever, moldam o carácter dos seus soldados e a condição militar traduzida na total dedicação à Pátria (…) (Ramalho, 2012, p.2).

 

Para que o militar se dedique de corpo e alma à nação e à pátria, como defendem os autores acima é, inevitavelmente, necessária uma educação perene incidindo sobre os valores da pátria e a necessidade da sua preservação. A canção, didacticamente, é recorrida para a transmissão de conhecimento, sobretudo do passado histórico dos povos. Aos combatentes da FRELIMO, mais tarde FAM/FPLM, era preciso dar a conhecer as causas da luta que se previa durar muito tempo. O mesmo aconteceu quando eclodiu a guerra dos 16 anos e, hoje, a luta, contra o analfabetismo, fome, nudez, miséria epidemias, continua. Por isso, é bom lembrar que a canção pode desempenhar um papel muito importante para a vitória nestas batalhas.

 

 

Conclusões esugestões

As canções são a radiografia da sociedade, a expressão das aspirações de um povo, das suas angústias e dos desafios por realizar. As canções têm imensas potencialidades de mobilização, convencendo mulheres e homens a abraçarem projectos e realizar sonhos que, de outro modo, não seriam possíveis.

As canções apresentam uma multiplicidade de vantagens: transmitem a mensagem, emocionam, contagiam, mobilizam, corrigem sem provocar mágoa, desfazem o desepero e as incertezas, penetram facilmente nas mentes e nos corações dos seus destinatários.

As canções, tanto podem denunciar os males, como podem fazer apelos ao conformismo de um povo com uma realidade positiva. O colonialismo era um mal que devia ser erradicado de Moçambique, o que exigia unidade nacional, coragem e a disponibilidade para consentir sacrifícios, incluindo a perda da própria vida. Na luta de libertação há engajamento, hesitação, medo, traição, deserção e infiltração. Tudo isto constituía objeto das canções revolucionárias;

Se em momentos mais difíceis as canções revolucionárias desempenharam um grande papel de mobilização, em várias formas, hoje, devidamente contextualizadas, adaptadas, às circunstâncias concretas, podem resgatar os valores que constituem os pilares da moçambicanidade, tais como a unidade nacional, o patriotismo, a auto-estima, o espírito de corpo, a coragem, o amor ao trabalho, a solidariedade de moçambicano para moçambicano e para com os outros povos.

Moçambique, sendo um mosaico etno-cultural, as canções podem contribuir para o reforço da unidade na diversidade, condição sine quo para a realização dos imensos desafios que pátria coloca. Ao se evocar o papel das canções revolucionárias, não se pretende transformá -las em panaceia (remédio para todos os males) nem dá-las a primazia na Educação Cívico-patriótica. Pretende-se, sim. diversificar as propostas de soluções, sendo necessária a perícia de fazer opções na diversidade de métodos, técnicas e formas de realização de Educação Cívico-patriótica;

A tradução das canções revolucionárias pode contribuir para alargar a compreensão, contribuindo para a disseminação das mensagens mobilizativas. A organização, a estruturação e a reestruturação da área de Educação Cívico-Patriótica, aproveitando as experiências positivas e de utilidade actual nas FADM, podem contribuir para o resgate da nossa identidade;

Em todas as épocas, as sociedades foram inventoras ou produtoras de canções e poemas. Depender apenas das canções revolucionárias pode matar a criatividade e estimular a estagnação inventiva. Para reverter a situação, as unidades das FADM, através dos Serviços de Cultura, podem promoverconcursos e atribuir alguns prémios aos proponentes de melhores canções que adequam aos novos desafios do povo moçambicano e das FA.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Academia das Ciências de Lisboa & Fundação Calouste Gulbenkian (2001). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, Portugal: ACL.

Alves, Amanda Palomo.  Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950 - 1980) . In

Carlan.  Claudio Umpierre (s/d). As invasões germânicas e o Império Romano: conflitos e identidades no baixo Império -  https://www.revistas.ufpr.br/historia/article/download/15298/10289 - 12.10.19

Castro, Paulo César de. Força Armada. In http://wwwforçaarmada%20Castro  - acessado em 12.07.11.

Frelimo (1983). Relatório do Comité Central ao IV Congresso. Maputo.

http://www.revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180305102013373/2877 acessado em 12.10.19

Japiassú, Hilton; Danilo, Marcondes (2001). Dicionário básico de filosofia. 3ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor.

Kizerbo, J (1972). História da África negra, volume II, 2ª edição. Paris, Europa América.

Mattoso, A & Henriques, A (1973). História geral e pátriaI: Antiguidade e Idade Média. Lisboa. Livraria Sá da Costa Editora. 

Milazzo, B. Luiz Martins (2009). A construção da fronteira étnica no processo de romanização da Britânia romana: os casos de resistência de Carataco e Boudica durante o século I d. C. Dissertação deMestrado apresentado na Universidade Federal de Fluminense. Niterói.

Ramalho, José Luís (2011). Discurso de Sua Excelência o general Chefe do Estado – Maior do Exército por ocasião da cerimónia militar evocativa da retirada do exército francês da região da Guarda. Guarda, S/ED.



[1]Doutorando em História de África Contemporânea Mestrado em Educação/Ensino de História pela Universidade Pedagógica-Maputo e Licenciado em Ensino de História pela Universidade Pedagógica – Delegação de Nampula. Docente de Introdução à História, História de Educação e de Educação Cívico-Patriótica na Academia Militar.

[2]África do Sul do Apartheid e racista da então Rodesia do Sul.

 

 

 

 

 

 

 

 

[3]Chibalo, a escravatura, o trabalho forçado, a violação das mulheres e outras atrocidades.

[4]Durante a preparação político militar, reuniões, nas machambas colectivas, nos intervalos de debates, entre outros momentos.

 

[5]O autor assim considera porque as FA incorporam jovens de todas as regiões do país (urbanas e rurais), étnicos com diversas manifestações culturais.

[6]Moçambique é um pais multipartidário e os jovens que integram nas FA são filhos de pais com orientação política diversificada e, por vezes, a orientação política tem sido parte da educação familiar o que pode contribuir para um relacionamento hostil entre jovens com ideias políticas opostas, apesar das FA serem apartidárias.

[7]Leis, decretos, despachos, ordens de serviços e outros desta natureza.